Saiba quais são os principais desafios que precisam ser resolvidos para o avanço do ODS 11, visando uma urbanização sustentável e inclusiva
Arranha-céus, carros voadores, robôs e automação em todos os lugares. É assim que as cidades do futuro geralmente são retratadas.
Contudo, esse futuro estilo Os Jetsons, focado apenas na tecnologia, cada vez mais dá lugar para uma visão que considera os desafios socioeconômicos e climáticos em torno da crescente urbanização.
Afinal, conforme sentimos na pele as consequências das mudanças climáticas e do aumento da desigualdade, é impossível pensar em como será a vida na Terra nas próximas décadas sem levar em conta os impactos dos sistemas urbanos no planeta – como mostra a nova série da AppleTV+, Extrapolations.
Entre as quase oito bilhões de pessoas ao redor do mundo, mais da metade – 4,4 bilhões (56%) – vive em cidades. E esse número deve continuar crescendo! Estimativas apontam que até 2050 a população urbana mais do que dobrará, e quase 7 em cada 10 pessoas viverão nessas áreas.
No entanto, esse crescimento acelerado (e, em muitos casos, mal planejado) traz desafios significativos, como:
Então, fica cada vez mais claro que promover uma urbanização mais responsável – que leve em conta grupos marginalizados e os principais desafios globais – é crucial para a construção de um mundo mais justo e sustentável.
Levando em conta os principais problemas que esse ODS se propõe resolver, na primeira parte deste artigo, vamos analisar alguns dos grandes desafios para criar cidades mais sustentáveis e inclusivas.
Na segunda parte, vamos debater o papel do poder privado para o avanço do ODS 11, sugerir estratégias e caminhos para as empresas contribuírem para tornar as cidades mais inclusivas e sustentáveis e apresentar negócios que já atuam nessa área.
Vamos começar analisando alguns dos principais desafios referentes ao ODS 11.
2022 foi o sexto ano mais quente já registrado. Há previsões de que 2023 seja ainda mais quente, com temperaturas médias globais estimadas em cerca de 1,2°C acima do que eram antes de os humanos começarem a provocar as mudanças climáticas.
No cenário atual, já podemos presenciar os efeitos devastadores do aquecimento global – com desastres climáticos se tornando cada vez mais comuns e mais graves ao redor do globo.
A meta do Acordo de Paris (2015) de limitar o aquecimento global para até no máximo 1,5°C em relação ao período pré-industrial, ajudaria a evitar fatalidades climáticas ainda maiores e um cenário catastrófico para a humanidade. Contudo, o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) adverte que, sem reduções imediatas e maciças de emissões de gases de efeitos estufa (GEE), será impossível limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Por conta das consequências do aquecimento global, cada vez mais pessoas nos centros urbanos estão expostas a enchentes, temperaturas extremas e escassez de água ou alimentos.
Além disso, a infraestrutura das grandes cidades pode ser danificada por deslizamentos de terra, inundações ou aumento extremo na temperatura. Como consequência, quedas de energia podem afetar o bombeamento de água, controle de tráfego, iluminação pública e hospitais, escolas e residências.
Outro desafio relevante para o avanço do ODS 11 é a extrema desigualdade presente nas cidades.
Podemos começar a falar sobre esse problema pegando o gancho do trecho anterior: os impactos das mudanças climáticas.
As consequências do aquecimento global nas cidades afetarão de forma desproporcional as populações urbanas mais pobres e desfavorecidas.
Esse grupo de pessoas já vive em condições de vulnerabilidade, sem acesso a serviços básicos e sem infraestrutura adequada. Esse contexto de moradia e condições de vida aumenta os riscos e a gravidade dos impactos dos desastres climáticos para os mais pobres – além de significar menor poder de resposta diante das tragédias causadas pelo aquecimento global.
Segundo o Relatório Mundial de Cidades da ONU-Habitat 2022, globalmente, 20% da população mundial (cerca de 1,6 bilhão de pessoas) ocupam habitações lotadas, inadequadas e inseguras. Destas, mais de 1 bilhão de pessoas vivem em favelas e assentamentos.
Aliás, a população urbana que vive em favelas tem crescido constantemente desde 2000. Apenas nos últimos 10 anos, o número de cidadãos vivendo nessas condições aumentou em cerca de 45 milhões. Algumas estimativas indicam que, até 2050, 4.6 bilhões de pessoas devem morar em condições inadequadas nas cidades.
Análises empíricas mostram que um aumento de 1% no crescimento da população urbana aumenta a incidência de favelas em 2,3%.
As razões por trás da formação de favelas em regiões em desenvolvimento são muitas:
Leia também: O agravamento da insegurança alimentar no Brasil e o papel das empresas no combate à fome
Leia também: Não há desenvolvimento sustentável sem redução das desigualdades (ODS 10)
Ainda falando sobre desigualdades, outra maneira pela qual a urbanização desordenada afeta desproporcionalmente os mais pobres é pela falta de infraestrutura adequada – especialmente nas periferias.
Em um estudo do Instituto Data Favela, os moradores relataram que a qualidade dos serviços públicos nas comunidades em que vivem é muito baixa. Entre os piores estão: segurança, hospital, transporte e saneamento básico.
O Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2022 revela que entre as 6.145 mortes por intervenção policial no país em 2021, 84,1% das vítimas eram pretas e pardas. Enquanto a taxa de mortalidade entre vítimas brancas retraiu 30,9% em 2021, a de vítimas negras cresceu 5,8%.
A violência policial é uma realidade constante para os moradores das favelas no Brasil – onde a maioria da população é negra. Em um levantamento feito pelo Instituto Locomotiva, 4 em cada 10 brasileiros de periferias relataram ter passado por situações de violência policial.
Não é à toa, aliás, que mais da metade das pessoas que vivem na periferia dizem sentir medo da polícia. 54% dos moradores de favelas pretos concordam com a frase: “A polícia é perigosa para pessoas como eu”.
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 1,6 milhão de pessoas de baixa renda nas cidades moram a uma distância maior do que cinco quilômetros de uma unidade de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O levantamento indica ainda que cerca de 230 mil brasileiros levariam mais de 30 minutos para chegar a um hospital em casos de emergência.
Essa dificuldade de acesso a serviços de saúde ficou ainda mais evidente durante a pandemia de Covid-19. Uma análise da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-RJ) e da Fiocruz revelou que a dificuldade de acesso aos hospitais, sobretudo na periferia dos centros urbanos, foi um dos motivos do grande número de mortes por Covid-19 no Brasil em 2020.
Cerca de 30% do total de leitos de UTI disponíveis no Brasil se concentram nas capitais. No entanto, mesmo nessas regiões, nem todos conseguem ser atendidos.
Leia também: A pandemia de Covid-19 e o acesso aos serviços de saúde (ODS 3)
Segundo o Instituto Trata Brasil, cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e quase 100 milhões de habitantes ainda não são atendidos com coleta de esgoto.
O estudo revela ainda uma grande discrepância entre cidades. Enquanto em algumas regiões 97,96% da população tem rede de coleta de esgoto, em outros centros urbanos, apenas 29,25% dos moradores têm acesso a esse serviço.
Não há água potável em 47% dos lares de favelas brasileiras. Além disso, a falta de coleta e tratamento de esgoto é também um grande problema nas periferias. Estima-se que apenas 8,3% do esgoto gerado nas favelas e ocupações das maiores cidades do Brasil sejam coletados – mais de 90% são jogados no meio ambiente.
Leia também: Como enfrentar a pandemia sem acesso à água? (ODS 6)
Os meios de transporte na cidade impactam diretamente no acesso a oportunidades de empregos, serviços de saúde e educação. Sendo assim, a falta de mobilidade urbana adequada nos bairros mais pobres contribui para o aumento da desigualdade urbana.
De acordo com uma análise do Ipea realizada nas 20 maiores cidades brasileiras, há grandes diferenças de acessibilidade no país.
Em todos os centros urbanos estudados, a população branca e de alta renda tem mais acesso às oportunidades do que negros e pobres. Segundo o estudo, o fato de morar em periferias, regiões em que o transporte público é mais precário, interfere nas chances de se conseguir um emprego.
Em São Paulo (SP), por exemplo, apenas 18 em cada 100 moradores residem em um raio de até 1 km de estações de sistemas de transporte público.
Inclusive, o estudo revela ainda que os mais pobres gastam quase 20% a mais de tempo do que os mais ricos no deslocamento para o trabalho.
As cidades não existem isoladas dos desafios globais. A crescente urbanização está entrelaçada com os principais desafios socioeconômicos e ambientais enfrentados ao redor do mundo: entre eles, as mudanças climáticas e o aumento da desigualdade.
Nosso intuito ao listar os obstáculos para o avanço do ODS 11 não é reforçar uma visão catastrófica de que a vida nas cidades vai destruir o planeta.
Pilar Conesa, curadora do Smart City, um evento global que tem o objetivo de reunir lideranças para debater tendências, desafios e oportunidades em temáticas relacionadas ao planejamento urbano, defende que os ODS precisam fazer parte do planejamento das cidades.
Para Tainá Andreoli Bittencourt, doutoranda em engenharia de transportes e especialista em mobilidade urbana, a redução de desigualdades é o principal desafio das cidades.
A equipe d’A Economia B realizou a cobertura Smart City Expo Curitiba em 2022. Assista ao vídeo abaixo e confira os destaques:
Falar em urbanização é, em geral, tratar de políticas públicas e ações governamentais. Contudo, o poder privado também desempenha um papel fundamental para o desenvolvimento sustentável das cidades. Isso porque as empresas oferecem meios de subsistência e serviços importantes para as populações urbanas.
As organizações podem contribuir diretamente para o avanço do ODS 11 por meio de parcerias com os municípios, oferecendo serviços que melhorem o acesso à habitação de qualidade, transporte e infraestrutura.
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