João Paulo Pacífico é CEO de uma empresa de investimentos. Sua história e visão de mundo mostram que, sim, o mercado financeiro pode ser diferente
O touro dourado instalado em frente à sede da B3 (a bolsa de valores brasileira) recentemente foi mais um capítulo da desconexão da realidade em que vivem os representantes da Avenida Brigadeiro Faria Lima, importante centro comercial e financeiro da capital paulista.
Sem entrar no mérito da estética da obra – instalada sem autorização da prefeitura de São Paulo –, esse é um daqueles episódios em que se questiona: eles não tinham um amigo pra avisar que ia dar ruim?
Já no primeiro dia de sua curta estada, o touro foi alvo de protestos e rendeu registros fotojornalísticos que representam o crescimento exponencial da desigualdade do Brasil de Bolsonaro e Paulo Guedes.
A B3, que tem se preocupado em abordar pautas ESG em sua estratégia de comunicação, deu um tiro no pé ao demonstrar zero empatia (e noção) em um momento em que o Brasil agoniza em meio ao desemprego e à fome.
No Instagram da bolsa, há um vídeo com ar de grandiosidade para promover a chegada do touro. Seria uma homenagem ao povo brasileiro, diz a peça publicitária. Não recomendo, mas se quiser assistir por sua conta e risco, está aqui.
A internet não perdoou. Críticas vieram de todos os lados, e os memes contando a história de que o touro não se esforçou o suficiente para se manter ali se multiplicaram pelas redes sociais. Nada mais simbólico para o atual momento do Brasil do que uma cabeça de gado sendo içada sob protestos de faria limers inconformados.
Semanas antes de o touro ser plantado em frente à bolsa, eu conversei com João Paulo Pacífico, CEO do Grupo Gaia, empresa B que faz a securitização de créditos imobiliários e do agronegócio e atua para ressignificar o conceito de sucesso no mercado financeiro.
O autodeclarado CEO Ativista é uma voz crítica à mentalidade dominante na Faria Lima. “O mercado financeiro é lotado de pessoas materialistas, deprimidas, ansiosas, tristes e egocêntricas. Uma empresa que tem como único objetivo maximizar o lucro do acionista é uma empresa miserável. Devastam uma floresta inteira, mas plantam uma árvore e tiram uma foto dizendo que estão salvando a floresta”, conta.
Como o mercado financeiro pode mudar?
Apesar de se considerar um otimista, João acredita que as mudanças necessárias não vão ocorrer a partir das pessoas que comandam o mercado. O episódio do touro, aliás, ajuda a entender as razões disso.
“Em geral, as pessoas podem mudar por consciência, coerência ou constrangimento. Mas esse mercado financeiro só vai mudar pelo constrangimento. Quando falamos em investimentos de impacto, não tem como ser diferente, pois os discursos não são genuínos. Já ouvi muitas vezes frases como ‘se tiver impacto com o mesmo retorno, eu invisto’. Só que para causar impacto positivo, você tem que abrir mão de alguma coisa. Esse investidor quer que os outros abram mão, não ele. Ele não está interessado no impacto, mas em ganhar o que sempre ganhou e que alguém da cadeia pague a conta”, lamenta.
No LinkedIn, João tem mais de 460 mil seguidores, que acompanham seus artigos criticando os discursos da Faria Lima e todo o pacote neoliberal meritocrático defendido pelos agentes financeiros. Ele conta que a maioria das pessoas que consomem seu conteúdo trabalha em bancos.
“Tem uma galera que começa a perceber que está triste. Começa a olhar o sócio da empresa e não se enxerga mais nesse lugar. Recebo mensagens de gente que gosta do que escrevo, mas não quer interagir publicamente, com medo de sofrer represálias”, revela. Ironicamente, a prometida liberdade capitalista parece estar cada vez mais distante das pessoas – mesmo entre os que ganham salários robustos.
Informação para quebrar preconceitos e furar a bolha do mercado financeiro
À medida que esse despertar de consciência, que já foi pauta aqui, vai crescendo, empresas começam a mudar posturas. Como bem disse João, nem que seja por constrangimento. Contudo, é verdade que, em meio a isso, absurdos seguem soando como motivos de celebração para o mercado…
Um bom (mau) exemplo neste sentido vem da JBS, segunda maior produtora de alimentos do mundo, que anunciou, em junho de 2021, que vai antecipar sua meta de zerar o desmatamento ilegal em sua cadeia de fornecimento de bovinos até 2025. O plano inicial era até 2030. Em outras palavras, “até lá seguimos praticando crimes ambientais”. O agro é pop.
Aliás, o site da empresa parece uma terra encantada…
Com as práticas ESG “na moda”, é preciso ficar atento às narrativas de comunicação. Segundo João, o caminho para combater o greenwashing é a informação. “Quanto mais informação, mais pessoas vão se conscientizar. O próprio fato de os bancos começarem a falar de ESG não é porque querem, mas porque há mais informação e cobrança da sociedade e de fundos estrangeiros. Quanto mais exemplos positivos, mais mudaremos”, diz.
Pelas conversas que têm fora do mercado de capitais, João percebe que há mais interesse genuíno em fazer o bem no meio empresarial. “O mercado financeiro tem uma só variável, que é a maximização dos lucros. Fora tem mais respiro, mas ainda é pouco. Estamos engatinhando”, analisa.
Como equilibrar lucro e propósito
Sob o guarda-chuva do grupo Gaia está a Gaia Impacto (que faz investimentos de impacto) e também a ONG Gaia+, que, em seis anos, já beneficiou mais de 11 mil pessoas em projetos de educação socioemocional. “A Gaia é o oposto de bancos e corretoras, que operam em uma lógica que claramente não deu certo – apesar de eles continuarem seguindo e acreditando nisso. Não vejo outro caminho que não seja o que escolhemos seguir. A partir do momento em que você começa a entender que a lógica tradicional do mercado financeiro e os argumentos de meritocracia não fazem sentido, é um caminho sem volta”, conta.
Para empresas e lideranças interessadas na temática do impacto, mas que ainda não sabem como começar, João aponta que o primeiro passo é entender quais são as causas com as quais a organização mais se identifica. Feito isso, o ideal é buscar iniciativas já existentes.
“Montar uma estrutura do zero é complexo. A Gaia criou uma ONG, mas é um negócio diferente de uma empresa. Tem uma curva de aprendizado que leva tempo e pode ter uma perda de energia. Existem projetos maravilhosos que precisam de apoio financeiro e de gestão”, sinaliza.
“Temos que deixar de ser rasos”
Em tempos em que empresas estão buscando se adaptar a uma realidade em que sociedade e investidores passam a exigir posturas ESG verdadeiras, é preciso buscar informação e entender que o lucro acima de tudo e todos não mais será tolerado.
“Temos que deixar de ser rasos e buscar entender qual é o impacto do negócio no planeta. Se você entendeu que se adequar à Agenda 2030 é uma necessidade da empresa, estude, vá atrás de especialistas e traga para a empresa pessoas com experiência nessas pautas para comprar aprendizado e implementar mudanças mais rapidamente. Por fim, não dá pra fazer por marketing, é preciso fazer por um desejo genuíno de causar impacto. Se fizer errado, pode causar danos à imagem da empresa”, sinaliza.
Enquanto estávamos fechando esta matéria, uma nova instalação artística surgiu em frente à B3. O artista Rafael Rasmoke, em parceria com a artista plástica Márcia Pinheiro, instalou uma vaca magra dourada no lugar em que estava o touro. É o espírito do tempo de um Brasil que tem fome e que é invisível aos alecrins dourados do mercado financeiro.
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