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O grande desperdício de talentos e a ambição moral

Em palestra no B For Good Leaders Summit 2024, Rutger Bregman critica o fato de múltiplos talentos trabalharem em empregos inúteis e explica o conceito de ambição moral, base do livro que irá lançar em 2025

Você provavelmente já viu Utopia para Realistas (2014) em alguma livraria por aí. A obra, que fala sobre renda básica universal, semana de trabalho de 15 horas e abertura de fronteiras, se tornou um fenômeno global e colocou o historiador holandês Rutger Bregman no mapa dos jovens grandes pensadores da atualidade. Em 2021, escrevi uma matéria sobre renda básica universal muito inspirada nas ideias do livro.

Rutger, que também escreveu o best-seller global Humanidade – Uma história otimista do Homem (2020), além de outros seis livros que só foram publicados em holandês, foi o principal palestrante do primeiro dia do B For Good Leaders Summit 2024. O tema de sua apresentação foi um spoiler do seu próximo livro: “Ambição Moral: pare de desperdiçar seu talento e construa um legado que importa”.

O grande desperdício do nosso tempo

A conscientização é superestimada?

Rutger iniciou sua palestra em tom irônico lembrando que todos vamos morrer. E então, provocou a audiência composta majoritariamente por lideranças a refletir sobre como usar esse tempo limitado. “O tempo é seu recurso mais precioso; você nunca pode comprar mais tempo, não importa o quão rico fique. Mesmo que se torne um bilionário, você vai morrer em algum momento”, disse

Um dos pontos centrais da fala do holandês foi o desperdício de talentos na sociedade atual. Ele disse que cerca de 25% da força de trabalho considera seu próprio trabalho absolutamente sem sentido. “Há tantas pessoas presas em empregos que não agregam nada de valor. Isso é um desperdício extraordinário de talento”, criticou.

“Caso essas pessoas realmente talentosas se concentrassem nas questões globais mais urgentes, poderiam, na minha opinião, contribuir muito”, acrescentou.

Os 3 ingredientes da ambição moral

Após fazer muita gente presente no auditório questionar sua existência profissional, Rutger compartilhou as ideias que, provavelmente, vão sustentar o livro Ambição Moral: pare de desperdiçar seu talento e construa um legado que importa, que chegará às livrarias na primavera de 2025 do hemisfério norte. 

Segundo ele, a ambição moral está ancorada em três ideias:

1 – Uma nova definição de sucesso: o caminho para combater o desperdício de talentos

Para abordar a necessidade de redefinir o que significa ser bem-sucedido, Rutger contou a história de abolicionistas do século XVIII no Reino Unido.

Ele disse que ao investigar o movimento abolicionista, especialmente a Society for Effecting the Abolition of the Slave Trade, fundada em 1787, descobriu que dos 12 fundadores, 10 eram empreendedores. 

“Não escritores, não intelectuais, não funcionários públicos, mas empreendedores, pessoas que sabem como construir e escalar, como ir do zero ao um. Eles têm esse talento precioso, essa habilidade maravilhosa de ver soluções onde outras pessoas só veem problemas. A coisa mais importante é que começaram a usar isso na luta contra uma das questões mais prementes daquela época. Alguns poderiam estar na lista da Forbes 400, se existisse. Muitos deles tinham alcançado o primeiro pico do sucesso, mas então se perguntaram: ‘O que vem depois? A que devo realmente dedicar minha carreira?‘”

Segundo Rutger, a história dos abolicionistas mostra como lideranças empreendedoras podem investir em algo maior do que elas mesmas. Ou seja, este é um exemplo de ambição moral. “Trata-se de redefinir o que significa ser bem-sucedido, de construir um legado que realmente importa”, aponta. 

2 – Foco no máximo impacto e a ganância moral

O autor também criticou movimentos que celebram a ideia de “pequeno é lindo” ou “menos é mais”, porque, como disse, na luta contra os maiores problemas do mundo, “mais é mais”.

“Nesse sentido, você pode ser um pouco moralmente ganancioso, sempre procurando respostas para causar um impacto maior. Se os problemas do mundo são tão vastos, seja desigualdade global, colapso climático ou perda de biodiversidade, certamente não vamos resolvê-los apenas indo morar em uma casa minúscula e ficando obcecados com nossa própria pegada de carbono pessoal“, alfinetou.

“Eu sou praticamente vegano, não voo quando não preciso, mas não tenho a ilusão de que essa é a minha grande contribuição para o mundo. Porque se você realmente só se preocupa com sua própria pegada de carbono, no melhor cenário, você não voa, não come carne, não tem filhos e não usa canudos de plástico. Então, no melhor cenário, você tem uma pegada zero e pode muito bem não ter existido. Você já está morto”.

É nesse ponto que a questão do grande desperdício de talento e a ambição moral se conectam. “É realmente importante pensar sobre quais são suas alavancas, como você pode fazer uma diferença muito maior. E aí, seu capital é importante e, obviamente, a sua carreira e seu tempo precioso na Terra também”, sugere.

3 – Priorização implacável: não siga sua paixão

Ao lembrar que vivemos em um mundo com uma quantidade enorme de problemas e em um estado de triagem permanente, Rutger comentou que, muitas vezes, o que as pessoas fazem é seguir sua paixão. Para ele, esse é um erro. Para explicar sua crítica, o historiador trouxe o clássico Senhor dos Anéis para o palco. 

“Gosto de lembrá-los da história de Frodo. Já ouviram falar desse cara? Havia um mago chamado Gandalf e ele foi a um lugar chamado Shire, onde disse a Frodo:

‘Olha, há uma situação desagradável, há um mago terrível em um lugar chamado Mordor. Ele é superpoderoso e está prestes a matar todos, mas é especialmente importante que ele não pegue este anel porque, se ele pegar este anel, estamos perdidos. Então, você precisa ir a esta montanha assustadora e jogá-lo em um vulcão. Esse é o seu trabalho’.

Gandalf não perguntou ‘Frodo, qual é a sua paixão?’. Ele disse: ‘Frodo, essa é sua missão, isso é o que precisa ser feito’. E eu encorajo vocês todos a fazerem a mesma pergunta. Não comecem com a pergunta: ‘Qual é a minha paixão? O que me faz sentir bem agora?’. Comecem com a pergunta: ‘O que o mundo pede de mim? O que é necessário agora?'”

Um framework para a ambição moral

Como guia para a ambição moral, Rutger sugeriu um framework que a coloca no ponto de interseção entre o que é importante, negligenciado e tratável.

Além disso, trouxe a mudança climática como pano de fundo para lembrar que questões sociais não costumam ganhar a atenção que os temas ambientais recebem quando se fala do assunto.

“Quais são os problemas que são muito mais negligenciados até do que a mudança climática? Frequentemente observo em comunidades de realizadores como esta que o meio ambiente está tomando toda a atenção. Não me interpretem mal, estou muito preocupado com a mudança climática e muito feliz que muitas pessoas estejam trabalhando nisso, mas há outras coisas que também precisam de atenção, como a malária, que mata 600 mil crianças todos os anos. Pense em algo como a próxima pandemia, isso também é realmente importante para trabalhar. Essa é uma maneira de gerar o maior impacto”, sugere.

Por fim, Rutger ressaltou que há uma tendência entre progressistas que dormem tranquilos por dizerem coisas como: ‘Pelo menos estávamos do lado certo da história’. Mas isso, segundo ele, não é suficiente. “As pessoas que estão sofrendo agora querem que você vença”, afirmou. 

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João Guilherme Brotto

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