Entrevistas

Equidade de gênero nas empresas: bom para a sociedade e para os negócios

Maíra Liguori - Think Eva

A meta central do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 (ODS 5) da Agenda 2030 é “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as meninas e mulheres”. Para entender o papel do setor privado na busca pela equidade de gênero, conversamos com Maira Liguori, jornalista, especialista em comunicação empresarial e mestre em antropologia

Recentemente, falamos aqui sobre como as empresas podem apoiar as mulheres todos os dias. Hoje, visando aprofundar o debate, conversamos com Maira Liguori, Diretora de Impacto da Think Eva e da Think Olga.

A Think Eva é uma consultoria de inovação social que articula o mundo corporativo para a criar soluções para as desigualdades de gênero e intersecções. Entre os clientes estão marcas como Magalu, Brastemp, Bradesco, GNT, Google, Meta e Netflix. Já a Think Olga é uma ONG que atua junto à sociedade civil.

As duas organizações trabalham a partir de uma perspectiva da mulher, mas que não se encerra nela, porque a perspectiva é interseccional. “Ou seja, a gente olha para as questões que são femininas e olha para as questões que são fundamentais sob um ponto de vista feminino. E sempre com a pauta interseccional, conectando as questões raciais, as questões de classe, as questões de orientação sexual, de identidade de gênero e de deficiência”, explica Maira.

Na entrevista, falamos sobre as raízes da falta de diversidade e equidade de gênero nas empresas, problemas que isso gera nas organizações, na sociedade e na economia, e o que é preciso fazer para mudar esse cenário.

Além disso, Maira, que lidera projetos que promovem soluções para a desigualdade de gênero com o objetivo de sensibilizar a sociedade e capacitar agentes de mudança, apresenta caminhos para as organizações que desejam se envolver no ODS 5, mas não sabem por onde começar, e deixa claro por que dar poder às mulheres é bom para a sociedade e para a economia.

Acompanhe!

igualdade de gênero nas empresas

A ECONOMIA B: Por que lutar pela equidade de gênero e por uma maior diversidade nos ambientes corporativos é uma missão importante para as empresas? 

MAIRA LIGUORI: O Brasil é um dos países com maior abismo social do mundo, com a maior disparidade entre gênero e raça e com as mulheres negras e pobres ocupando a base da pirâmide. Portanto, é uma questão que não passa só por uma abordagem de causa, mas também de sobrevivência do próprio negócio. Se a gente vive num país em que essas disparidades estão cada vez  mais acentuadas, bem como as desigualdades, quem é o futuro consumidor nesse país? Ou teremos um mercado de altíssimo luxo ou um mercado sem acesso a nada, sem nenhum bem de consumo.

Uma vez eu ouvi o Guilherme Leal, Presidente do Conselho de Administração da Natura, dizendo: é como se os empresários estivessem sentados na ponta de um galho cerrando esse próprio galho sem perceber que vão cair junto. Então, estar do lado certo da árvore e mudar essa cultura extrativista é o futuro dos negócios. 

Leia também: Diversidade e Inclusão nas empresas – uma jornada de transformação urgente

AEB: Quais são os principais problemas que a falta de diversidade e equidade de gênero gera nas empresas no Brasil? 

ML: Eu gostaria de abordar essa questão por dois ângulos.

1 – Aspecto social

Estamos falando de um Brasil extremamente desigual e que tem as mulheres ocupando a base dessa pirâmide social. A maioria das pessoas abaixo da linha da pobreza, por exemplo, são mulheres negras. Quando a gente fala de cargos de liderança – e aí eu estou falando do topo da pirâmide social –, as mulheres tampouco se fazem presentes. É um lugar em que as mulheres raramente ocupam e, quando ocupam, ficam sujeitas a diversos níveis de violência.

Entendendo que a gente vive em um dos países mais desiguais do mundo, é fundamental que as empresas participem da solução desse problema como agentes de mudança e na promoção da equidade de gênero, raça e classe social. Esse é o aspecto social da diversidade de inclusão. 

2 – Aspecto de negócios

Quando a empresa não tem um quadro de colaboradores diverso, não tem diversidade de ideias, de opiniões de pontos de vista e, por isso, perde muito. Perde muito pela cegueira, pela falta de experiência, pela falta de vivências diversas. Isso impede que a inovação aconteça, que o novo floresça. Diversidade, equidade e inclusão são essenciais para os negócios. 

Muitas empresas sofrem de uma visão muito estereotipada da nossa população. Por isso, não conseguem se conectar de forma verdadeira com seus públicos, não conseguem se posicionar de forma diferenciada no mercado e não conseguem criar produtos e serviços que escapem da lógica dos grupos dominantes e hegemônicos. 

Ou seja, a diversidade e inclusão são, também, fatores importantíssimos do ponto de vista do negócio.

AEB: Quais são as principais barreiras que impedem a equidade de gênero no mercado de trabalho brasileiro? 

ML: Existem duas grandes barreiras: a barreira cultural e a barreira educacional.

1 – Barreira cultural

Quem está liderando, quem está na tomada de decisão, muitas vezes não consegue enxergar o seu diferente. É uma questão de falta de visibilidade e falta de entendimento do seu lugar de privilégio.

Uma parte importante é essa barreira cultural de que o homem branco, cis, heterossexual é, por fato e por direito, o dono das posições de tomada de decisão, de liderança e, portanto, de privilégio. Enxergar o diverso não é fácil. A nossa cultura promove sistematicamente o apagamento dos povos originários, dos indígenas, de pessoas negras, das pessoas pobres. Isso é fruto de toda uma construção de cultura midiática, mas não só.

2 – Barreira educacional

Temos uma população com baixo índice de escolaridade e, sobretudo na educação formal, no nível superior. Poucos brasileiros têm acesso à educação superior e isso faz com que a gente tenha pouca mão de obra especializada. Chamamos isso de oligarquias de poder. Poucas famílias com acesso à boa educação e, por isso, já são predestinadas a ocupar os lugares de poder, de tomada de decisão. 

São essas duas questões – a barreira educacional e a barreira cultural, de não entendimento do lugar de privilégio e não reconhecimento de outras realidades para além da sua própria.

AEB: Quais são as estratégias e ações das empresas que mais geram impacto para as mulheres? No que as organizações deveriam focar para buscar a equidade de gênero em seus negócios e em seus mercados como um todo? 

ML: Um ponto fundamental que a gente nunca pode perder de vista são as questões sexuais e reprodutivas.

Quando a gente olha para as mulheres no mercado do trabalho, a gente entende que existem questões que são fundamentais para o seu crescimento, para o seu engajamento e para o seu desenvolvimento profissional que são diretamente ligadas à maternidade, que hoje é a principal barreira – junto com a violência doméstica e sexual. 

A maternidade é muito pouco entendida, acolhida e debatida dentro dos ambientes profissionais. Ela é praticamente um fator de expulsão da mulher no mercado de trabalho, mesmo com o Brasil tendo uma legislação que permite a licença maternidade de quatro meses. Isso é o mínimo. É um tempo muito desproporcional à necessidade de cuidados dos bebês e das famílias. 

A licença paternidade também é algo que poderia fomentar de forma muito eficiente a participação masculina no cuidado com os filhos e no engajamento das questões em torno da constituição da família. Porém, isso hoje está exclusivamente nas costas das mulheres. 

Tem ainda a questão do cuidado, que é entendido como um papel da mulher. É a mulher que leva a mãe na fisioterapia, o filho no futebol, a criança no médico. É ela que falta ao trabalho porque tem algum parente doente, hospitalizado.

Então, é uma questão de redistribuição desse trabalho e do papel de cuidado que está totalmente atrelado ao gênero. As meninas são criadas para cuidar, enquanto os homens não assumem nenhum compromisso – o que faz com que elas saiam do mercado de trabalho. 

Por fim, tem a violência.

O assédio sexual é um fator que expulsa, que expele a mulher desses contextos. 47% das mulheres que trabalham afirmam terem sido assediadas sexualmente no trabalho, sendo que uma em cada seis acaba pedindo demissão. 

As mulheres negras e pobres sofrem violências ainda maiores, considerando os lugares e os tipos de emprego que ocupam nessa cadeia. Elas têm uma vulnerabilidade ainda maior. Se 47% das mulheres afirmam ter sofrido assédio sexual no trabalho, entre as mulheres negras e pobres esse número sobe para 52%. É algo que precisa ser pensado.

Outro fator que mostra o quanto as empresas estão falhando miseravelmente no combate ao assédio é que apenas 5% das mulheres recorre ao RH. 

A violência doméstica também é uma questão que afeta diretamente o desempenho dessas mulheres no ambiente de trabalho. A ONU afirma que uma em cada três mulheres sofre ou vai sofrer violência dos seus parceiros ao longo da sua vida. Por conta das consequências do que elas vivem em casa, faltam muito ao trabalho.  

AEB: Quais são suas dicas para os negócios que gostariam de se envolver mais nessa causa, mas não sabem por onde começar? Quais são os passos fundamentais na jornada pela equidade de gênero nas empresas?

Maira Liguori - Think Eva Think Olga
Maira Liguori

ML: A gente precisa primeiramente observar os grandes obstáculos e os potencializadores desta participação feminina nas empresas.

Não existe trabalho de mulher e trabalho de homem, todos são capazes igualmente de realizar esses trabalhos. Porém, a gente sabe que algumas funções são muito atribuídas a um contexto masculino, e é geralmente nesses contextos em que o maior índice de violência acontece.

Então, para cada empresa, para cada setor, para cada área, é preciso traçar um plano específico. Não existe uma receita de bolo que funcione para todos.

Agora, como eu falei, as políticas que sejam acolhedoras em relação à maternidade e que ajudem no combate à violência contra mulher são extremamente eficientes e necessárias. 

Por fim, é importante criar iniciativas em relação à própria carreira das mulheres. Estamos estudando o mercado de trabalho e entendendo que a pandemia nos colocou em uma posição equivalente aos anos 1990, em termos de participação da mulher no mercado de trabalho. Em pouquíssimo tempo, todos os avanços conquistados nos últimos 30 anos foram perdidos. 

As empresas precisam ativamente contratar e reter mulheres, incentivar a carreira das mulheres e promover mentoria para as mulheres – para todas as mulheres. A gente não pode esquecer que as mulheres negras e pobres são as que mais precisam desse tipo de atenção e cuidado. 

AEB: Por que empoderar mulheres é bom para a sociedade e para a economia? 

ML: Estudos demonstram que conforme ascendem socialmente, enquanto o homem tende a acumular e a gastar consigo mesmo, a mulher tende a pensar mais no coletivo e a reinvestir seus recursos de volta na comunidade.

Ou seja, promover mulheres, ajudá-las a crescer em suas carreiras e ampará-las na sua formação profissional, no curso superior, na pós-graduação, onde for possível, não é só bom para a mulher ou para a empresa, é bom para a comunidade e para a sociedade como um todo.

Resumindo, as ações necessárias concentram-se no tripé:

  1. Combate à violência
  2. Apoio e amparo à maternidade
  3. Fomento à carreira e aos negócios femininos. 

AEB: Como a Think Eva pode ajudar as organizações nessas pautas?

ML: Nós trabalhamos sempre de uma perspectiva que parte da mulher, mas não se encerra nela, porque nossa perspectiva é interseccional.

Ou seja, a gente olha para as questões que são femininas e olha para as questões que são fundamentais sob um ponto de vista feminino. E sempre com a pauta interseccional, em que a gente aborda as questões raciais, as questões de classe, as questões de orientação sexual, de identidade de gênero e de deficiência.

Qual é a teoria de mudança cultural que precisa acontecer dentro das organizações para que a diversidade aconteça de fato e que não fique numa numa camada superficial cosmética? Nós trabalhamos dessa forma e pensamos estrategicamente essa mudança. 

Depois, a gente desce para ações estratégicas dentro de cada grupo. Trabalhamos muito em parceria com outras consultorias que também são especialistas em suas temáticas. De novo, falando das principais: gênero, raça, classe, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. E aí a gente compõem esses quadros dependendo da necessidade do projeto.

Esse é o pilar da Cultura que a gente trabalha na Think Eva.

Nós temos dois pilares, um de Comunicação, em que a gente fala de marca e marketing, e o outro que é o de Cultura, em que a gente fala justamente da pauta ESG, da diversidade, equidade e inclusão dentro da cultura corporativa.

A Think Eva tem hoje uma solidez nas entregas com algumas metodologias próprias bem específicas e profundas para que a gente consiga de fato trazer a visão da mudança e auxiliar durante o processo. 

Mais do que educar as pessoas sobre as questões sociais que a gente entende como muitíssimo importantes, a gente entende também que é necessário uma abordagem estratégica sobre a cultura já existente na empresa, sobre as barreiras visíveis e as barreiras invisíveis que precisam ser trabalhadas, assim como os pontos que já existem na cultura que podem trabalhar a favor da promoção da equidade dentro desses ambientes.

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João Guilherme Brotto

Cofundador de A Economia B, jornalista, MBA em Desenvolvimento Sustentável e Economia Circular e Multiplicador B do Sistema B Brasil. Baseado na Espanha, estou sempre viajando pela Europa para cobrir eventos e festivais de sustentabilidade, ESG, impacto e regeneração com o objetivo de levar conteúdos exclusivos para nossos leitores e clientes.

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