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O agravamento da insegurança alimentar no Brasil e o papel das empresas no combate à fome

A insegurança alimentar no Brasil e o papel das empresas no combate à fome no país
Imagem: Elineudo Meira/Fotos Públicas

O problema da fome se agrava diariamente no Brasil. Porém, juntos, podemos ajudar a diminuir a insegurança alimentar no país. Entenda melhor este cenário e saiba o que as empresas podem fazer para contribuir para a evolução do ODS 2: Fome Zero e Agricultura Sustentável

Em um artigo publicado em julho de 2020, falamos sobre como a pandemia poderia agravar o problema da fome no Brasil e no mundo.

No texto, apontamos um alerta do Programa Mundial de Alimentos (WFP – World Food Programe) indicando que a crise gerada pela Covid-19 ameaçava levar cerca de 270 milhões de pessoas para a fome em todo o mundo.

Menos de um ano depois, a entidade anuncia que 34 milhões de cidadãos ao redor do globo estão à beira da inanição (desnutrição profunda que pode levar à morte).

No Brasil, esse problema também se agravou profundamente.

De acordo com Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado entre 5 e 24 de dezembro de 2020 pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), nos três meses anteriores à coleta de dados:

  • Os moradores de 55% dos domicílios analisados conviviam com algum tipo de insegurança alimentar – um aumento de 54% em relação aos resultados obtidos em 2018 (36%).
  • Em números absolutos, são 116,8 milhões de brasileiros sem acesso pleno e permanente a alimentos.
  • Entre eles, 43,4 milhões (20,5% da população) não contavam com alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada ou grave);

E 19,1 milhões estavam passando fome diariamente (insegurança alimentar grave)… 

Dados sobre a insegurança alimentar no Brasil

Porém, apesar de a crise gerada pela pandemia de Covid-19 de fato ter contribuído diretamente para o aumento no número de pessoas vivendo em insegurança alimentar (afinal, ela restringiu o acesso à renda de populações já bastante vulneráveis econômica e socialmente), o problema da fome já vinha crescendo no Brasil antes mesmo de o novo coronavírus aparecer…

Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA)

A fome e a insegurança alimentar no Brasil muito além da pandemia

De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, 84,9 milhões de pessoas já enfrentavam algum nível de insegurança alimentar no país há quase quatro anos – sendo 56 milhões em domicílios com IA leve; 18,6 milhões em domicílios com IA moderada; e 10,3 milhões em domicílios com IA grave.

Juntando esses dados aos do estudo realizado pela Rede PENSSAN no fim do ano passado, observa-se que o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões, em apenas dois anos. Ou seja, quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a ter a experiência da fome em seu dia a dia, nesse período.

Indo além, os dados da POF 2017-2018 já indicavam crescimento da insegurança alimentar em comparação com as últimas edições da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2013 – estudo do IBGE que utiliza a mesma metodologia de análise e que também estudou o tema da fome nos lares brasileiros.

Veja a evolução do cenário dos diferentes níveis de insegurança alimentar no Brasil, levando em conta os dados referentes ao crescimento da fome durante a pandemia:

Imagem: Rede PENSSAN

O papel das empresas no combate à fome, à insegurança alimentar e  à pobreza extrema

Então, se a “culpa” não é somente da pandemia, de onde vem essa aceleração da insegurança alimentar no país?

Em um artigo publicado no jornal Nexo, o economista Francisco Menezes, analista de políticas da ActionAid no Brasil, destaca que há pelo menos quatro anos a soma das desigualdades da sociedade brasileira com o crescimento do desemprego e os cortes nos programas sociais apontam para o agravamento da fome no país.

Segundo ele, a combinação das crises política, econômica e sanitária resultou na expansão da pobreza extrema (situação de quem vive com menos de R$ 246 ao mês ou R$ 8,20 por dia) no país.

Uma análise do Centro de Pesquisa Social da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) indica que:

  • Em 2019, 11% dos brasileiros viviam em situação de pobreza extrema;
  • Em 2020, por conta da liberação do auxílio emergencial, esse índice diminuiu drasticamente, chegando a 4,5% em agosto.
  • Contudo, em janeiro de 2021, a quantidade de pessoas vivendo em extrema pobreza voltou a aumentar – 12,8% da população enquadrava-se nessa condição no primeiro mês deste ano.

De acordo com Menezes, a extrema pobreza é o ponto de partida dos elementos causadores da fome, e seu enfrentamento deve se dar em duas frentes simultâneas:

  1. Criação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional e que propiciem renda para os mais pobres;
  2. Intervenção permanente da sociedade para a garantia e a extensão desse direito a todos.

E é nessa segunda frente que o poder privado assume um papel importantíssimo no combate à fome e à insegurança alimentar.

  • Seja por meio do desenvolvimento de programas específicos para diminuição da insegurança alimentar;
  • Por meio do apoio a instituições e ONGs que atuam diretamente nessa causa;
  • Pela pressão ao poder público para criação de políticas voltadas ao combate à fome e à pobreza extrema;
  • Ou mesmo oferecendo condições de trabalho dignas e justas, que promovam saúde, bem-estar e segurança alimentar para seus funcionários.
O agravamento da insegurança alimentar no Brasil – e o papel das empresas no combate à fome
Imagem: Silvia Izquierdo/AP

Essa é uma questão humanitária, acima de tudo. No entanto, também pode ser algo estratégico para as organizações. Afinal, não há como pensar em ser uma marca relevante, sem deixar de considerar as causas mais pertinentes para seus clientes e consumidores.

Como destaca Francine Lemos, diretora executiva do Sistema B, em entrevista ao A Economia B:

Francine Lemos – Sistema B Brasil – A importância da cultura organizacional na transformação do mundo
Francine Lemos

“Uma marca relevante parte do que é dela, do que tem a ver com os seus valores, propósito e essência e, através dessa lente, endereça questões pertinentes para a sociedade. Esse é o cruzamento perfeito. O propósito precisa ser perene. Não tem que mudar o tempo todo, mas precisa sempre ser relevante. E isso só se alcança se a empresa olha para dentro e endereça o que a sociedade está pedindo. As marcas que perdem essa conexão vão ficar pra trás.”

Os dados levantados até aqui só atestam algo que a gente já sabe: a fome e a pobreza extrema são problemas muito graves na sociedade brasileira atualmente.

Sendo assim, aliar o propósito da sua organização com a resolução desse problema pode ser uma maneira de melhorar a condição de vida de milhares de pessoas, contribuir para o desenvolvimento mais justo e sustentável da sociedade como um todo e, ao mesmo tempo, fortalecer sua marca e sua conexão com o público.

Dicas práticas para empresas que querem ajudar a combater a fome e a diminuir o índice de insegurança alimentar

Muitas organizações acreditam que a única maneira de apoiar a luta contra a fome é doando alimentos. Porém, isso não é verdade!

As práticas que listamos a seguir, recomendadas pelo Pacto Global (movimento que incentiva o alinhamento de estratégias empresariais aos direitos humanos), são alguns exemplos de como o poder privado pode fazer seu papel para contribuir para a diminuição da insegurança alimentar.

São ações que visam não apenas promover um impacto isolado, mas gerar mudanças significativas nos processos das organizações.

Algumas recomendações podem ser mais relevantes para determinados setores do que para outros. Contudo, há diferentes maneiras pelas quais negócios de qualquer segmento atuarem nessa causa. Confira!

Além disso, de acordo com a ONU, um dos caminhos para resolver o problema da fome passa por investir na promoção de uma agricultura mais sustentável.

Aliás, essa é uma questão extremamente relevante no Brasil. Afinal, a agricultura familiar de pequeno e médio porte é predominante no país (o Censo Agro 2017 apontou que 77% dos estabelecimentos agrícolas são classificados como “agricultura familiar”).

Nesse sentido, o SDG Compass, um guia que contém indicadores específicos para as empresas contribuírem para o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, recomenda: 

Ferramentas e materiais de apoio para empresas que querem ajudar a combater a fome e a diminuir a insegurança alimentar

Ferramentas e materiais de apoio para empresas que querem ajudar a combater a fome e diminuir a insegurança alimentar no Brasil
Mike Ngo Photography/WOCinTech stock

Desafio Fome Zero

Proposto pela ONU, o Desafio Fome Zero aponta cinco elementos dos ODS que, em conjunto, podem acabar com a fome, eliminar todas as formas de desnutrição e construir sistemas alimentares inclusivos e sustentáveis.

É uma plataforma que reúne governos, sociedade civil, setor privado, o sistema das Nações Unidas e outros para um impacto coletivo na área de segurança alimentar, nutrição e sistemas alimentares sustentáveis.

Empresas podem participar desse movimento, assumindo o compromisso de tomar medidas que terão um impacto demonstrável e quantificável. Esse compromisso deve ser específico, mensurável e limitado no tempo; pode ser um compromisso de implementar uma determinada ação, programa ou política (para fora), ou de transformação organizacional (para dentro).

Guia: Como as empresas podem apoiar e participar do combate à fome

Este relatório desenvolvido pelo Instituto Ethos traz dicas práticas e sugestões de ações que o poder privado pode colocar em prática para contribuir para a diminuição da insegurança alimentar no Brasil. 

O documento foi elaborado em 2003. Porém, as informações e recomendações ainda são bastante relevantes e podem ajudar empresários a conhecerem diferentes caminhos pelos quais suas organizações podem se tornar aliadas na luta contra a fome.

SDG Compass – ODS 2

Esta plataforma traz indicadores para que empresas possam avaliar seus impactos e suas atuações frente aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Além disso, oferece dicas, ferramentas e orientações sobre como incluir a busca pela evolução dos ODS dentro de seus princípios e operações.

O site da SDG Compass traz informações referentes a todos os ODS, incluindo o ODS 2: Fome Zero e Agricultura Sustentável.

Estratégia da FAO para o Envolvimento do Setor Privado 2021–2025

Este guia traz orientações e diretrizes específicas para as organizações do setor privado que querem atuar em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO – Food and Agriculture Organization).

O documento traz informações como, por exemplo:

  • Princípios de engajamento;
  • Identificação das principais áreas estratégicas para realização de parcerias;
  • Mecanismos de parcerias;
  • Formas de avaliar e medir os resultados esperados das parcerias.

Banco de boas práticas

O Banco de Boas Práticas do Pacto Global reúne histórias bem-sucedidas de empresas que estão atuando para ajudar a impulsionar os ODS. A plataforma permite selecionar cases de acordo com objetivos específicos. Assim, é possível acessar as ações diretamente relacionadas ao ODS 2 (Fome Zero e Agricultura Sustentável). 

E falando em ações inspiradoras… 

Já publicamos alguns cases de empresas que estão trabalhando para combater a fome no Brasil e no mundo. Acesse os artigo e confira:


Mais iniciativas para se inspirar e pensar em formas de combater a fome e ajudar a diminuir a insegurança alimentar 

Reserva – 1P=5P

A Reserva, empresa B certificada, atua diretamente no combate à fome por meio do projeto 1P=5P: a cada peça vendida, cinco refeições são viabilizadas para pessoas em situação de insegurança alimentar no nosso país. 

Sodexo – Movimento Satisfeito

Por meio do Movimento Satisfeito, a Sodexo, em parceria com os restaurantes, cria ações para diminuir o desperdício de alimentos e arrecadar doações para apoiar organizações que atuam no combate à fome e à desnutrição.

King Arthur Baking Company

Por meio do programa “Bake for good”, essa empresa de produtos para confeitaria e padaria ensina alunos do ensino fundamental e médio a fazer pão.

A King Arthur, que é uma B Corp, fornece os ingredientes para que as crianças façam dois pães – um para saborearem e outro para doarem para alguém que passa fome.

Live-Up – Alimentos Invisíveis

Em parceria com o aplicativo Comida Invisível, a empresa aproxima quem tem comida para doar e quem precisa de alimentos. O serviço atua como uma ponte direta entre restaurantes e outras empresas do ramo alimentício e ONGs para facilitar a doação de alimentos impróprios para o comércio, porém próprios para o consumo.

ONGs e iniciativas que estão lutando para diminuir a insegurança alimentar no Brasil

Por último, mas não menos importante, não podemos deixar de falar de iniciativas e ONGs que podem ser apoiadas por empresas ou por indivíduos que desejam contribuir com a evolução do ODS 2.

Esta é uma lista viva! Portanto, se você conhece alguma iniciativa que gostaria de ver listada por aqui como um exemplo de ação para diminuir a insegurança alimentar no Brasil, deixe um comentário abaixo ou entre em contato.

Tem Gente Com Fome

Campanha direcionada ao atendimento de 222.895 famílias mapeadas por organizações sociais que atuam em bairros, favelas e quilombos em todo o Brasil.

A distribuição das doações se dará através da compra de insumos alimentícios nas próprias regiões das comunidades atendidas e/ou entrega de cartões vale alimentação.

🍽  Saiba mais e apoie! 

Brasil sem Fome

Campanha promovida pela ONG Ação da Cidadania com o objetivo de arrecadar alimentos para distribuir entre os mais atingidos pela crise da pandemia da Covid-19 e pelo fim do auxílio emergencial. Empresas podem ajudar fazendo contribuições financeiras ou produtos ou sendo embaixadoras da campanha e divulgando a ação em seus canais. 

🍽  Saiba mais e apoie! 

Movimento Panela Cheia

A CUFA (Central Única das Favelas), a Gerando Falcões e a Frente Nacional Antirracista uniram esforços para criar o Movimento Panela Cheia. O objetivo é arrecadar recursos para a compra de cestas básicas para pessoas em situação de vulnerabilidade. A meta é alcançar 2 milhões de cestas. 

🍽  Saiba mais e apoie!

Gastromotiva

O Banco de Alimentos da Gastromotiva foi criado para atender organizações e projetos parceiros da rede de Gastronomia Social com doações de insumos que contribuem para a produção de refeições servidas a pessoas em situação de vulnerabilidade e insegurança alimentar. Em 2020, a entidade relata que as doações de alimentos caíram 66%. Para reverter esse cenário e continuar o trabalho, a ONG criou a campanha Chega de Fome.  

🍽  Saiba mais e apoie! 

Mesa Brasil

Este projeto funciona como uma rede de combate à fome, ao desperdício e à má distribuição de alimentos, baseado na parceria entre a sociedade civil, o empresariado e as instituições sociais. Por meio da coleta e da distribuição urbana, a iniciativa doa alimentos que seriam descartados para localidades onde fazem a diferença. 

🍽  Saiba mais e apoie!

Unidos contra a fome e a insegurança alimentar!

É empresário? Esperamos que as informações deste artigo o inspirem e o ajudem a encontrar caminhos para engajar seu negócio no combate à fome. 

Se você é um profissional, compartilhe estas informações com as lideranças de sua empresa e incentive a participação da organização nessa luta tão importante. 

Com menos pessoas vivendo na pobreza e na fome, há mais dignidade, saúde e oportunidades para todos. A sociedade como um todo ganha.

 

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Francine Pereira

Jornalista, especializada em criação de conteúdo digital. Há mais de 10 anos escrevo sobre tendências de consumo, inovação, tecnologia, empreendedorismo, marketing e vendas. Minha missão aqui no A Economia B é contar histórias de empresas que estão ajudando a transformar o mundo em um lugar mais justo, igualitário e sustentável.

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