Michele Zanini, coautor do livro Humanocracia, fala sobre como tornar as organizações mais humanas pode trazer mais resiliência, agilidade e inovação
Quantos gestores você precisa para trocar uma lâmpada?
Bem, vamos analisar… Um projeto da magnitude da troca de uma lâmpada requer um time qualificado e diversificado de gerentes, atuando em áreas como planejamento, financeiro, compras, suporte técnico, saúde e segurança, implementação. E, claro, esse time robusto de gerentes precisa também ser gerenciado por outros gestores.
Ficou faltando alguém?
Brincadeiras à parte, essa é a realidade de muitas empresas no Brasil e no mundo.
Levando em conta que com todas essas camadas de cargos de gestão vêm junto demandas de procedimentos e documentos, não é à toa que a burocracia é um dos principais problemas que afetam a produtividade nas corporações ao redor do globo.
Só nos países da OCDE, o custo de burocracias excessivas chega a US$ 9 trilhões.
Em meio a tantos gestores e procedimentos engessados, os funcionários se sentem perdidos, desconectados e desengajados.
Indo além, como uma empresa espera fazer parte da nova economia quando ainda segue modelos de gestão que impedem a adaptação rápida?
Uma alternativa a esse labirinto burocrático é proposta no livro Humanocracia: Criando organizações tão incríveis quanto as pessoas que as formam, escrito por Gary Hamel e Michele Zanini.
Os autores defendem que as empresas podem se tornar mais eficientes, inovadoras e resilientes ao adotar a humanocracia: “a humanidade acima da burocracia”.
Em palestra no evento Melhores Para o Brasil, promovido pela consultoria Humanizadas, Michele Zanini falou sobre esse modelo de gestão, explicou como ele funciona e revelou quais são os princípios que guiam a humanocracia.
Confira a seguir os destaques da palestra de Michele e entenda como tornar a sua empresa mais inovadora e humana.
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Três incompetências centrais das empresas
Segundo o autor de Humanocracia, existem três incompetências centrais que tornam as empresas incapazes de acompanhar as rápidas e constantes mudanças do mercado. Sao elas:
1) As organizações são inertes – elas têm dificuldade de acompanhar o ritmo das mudanças
Michele defende que, no ritmo contínuo de mudanças em que vivemos, as empresas precisam se questionar: estamos mudando tão rápido quanto o mundo está mudando ao nosso redor?
“Pense na indústria automobilística. Uma empresa nova como a Tesla foi capaz de ser bem-sucedida trazendo inovações para o mercado. Não é que as empresas que já existiam antes não tinham conhecimento ou não eram capazes de fazer o que a Tesla fez, mas elas decidiram não agir”, analisa.
2) As organizações não são muito boas em introduzir novos modelos rapidamente
“Há enorme lacuna de inovação nas empresas, especialmente porque não aproveitam a criatividade coletiva”, alerta.
Como exemplo nesse sentido, ele cita o caso de Eric Yuan, o fundador do Zoom.
Antes de criar a plataforma, Eric trabalhava para uma empresa de teleconferência da Cisco, a Webex. Porém, ele não estava satisfeito com o produto e tinha algumas ideias sobre como torná-lo melhor – incorporando vídeo, facilitando o acesso a reuniões, colocando fundos divertidos etc. –, e decidiu apresentá-las aos seus superiores (que decidiram não implementar as sugestões dele).
Então, em 2011, Eric saiu da Webex e montou uma empresa que revolucionou o setor de videoconferências. Hoje, o Zoom domina o mercado e tem 40% mais usuários que o sistema da Cisco.
3) As empresas são desumanas
Uma pesquisa da Gallup indica que apenas 15% dos profissionais ao redor do globo se sentem engajados no trabalho.
Michele acredita que esse é um grande problema para as empresas. Afinal, segundo ele, para vencer na economia do século 21, as organizações precisam de pessoas com iniciativa, que sejam proativas, que gerem soluções para os problemas e com paixão para tomar riscos.
Contudo, todos esses fatores dependem de engajamento. “Você pode até estimular questões como iniciativa, criatividade e geração de valor. Mas, no fim, são os funcionários que determinam se eles vão trazer isso para a empresa ou não. E como a pesquisa da Gallup mostra, a maioria não está disposta a trazer isso para as empresas”, comenta o consultor.
O coautor de Humanocracia aponta que tudo isso acontece por conta da forma como as empresas tratam seus colaboradores. Falta de autonomia e baixa participação dos profissionais nos processos de desenvolvimento de produtos e serviços, por exemplo, são práticas comuns em empresas burocráticas (e desumanas).
O resultado é que, com pessoas menos engajadas, o negócio se torna despreparado para inovar e acompanhar as mudanças do mercado.
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Burocracia é algo ruim?
A teoria da burocracia na administração foi criada pelo sociólogo Alemão Max Weber, por volta de 1940. Esse modelo surgiu como uma forma organizacional de criar estabilidade e previsibilidade, tornando as empresas mais eficientes.
“Burocracia é a forma mais racional de executar controle imperativo sobre seres humanos. É superior a qualquer outro modelo em precisão, em estabilidade, no rigor de suas disciplinas e em sua segurança.” Max Weber
A ideia geral é: controlar para gerar eficiência. (ironicamente, porém, esse mesmo excesso de controle é responsável por ineficiências que arrastam a organização)
Em sua palestra, Michele comentou que esse modelo organizacional burocrático fazia sentido no século 19. Isso porque naquela época, muitos colaboradores tinham baixo nível de escolaridade, era raro encontrar alguém com habilidades de gestão, as informações demoravam para circular e as mudanças de mercado aconteciam de forma gradual e lenta.
“O cenário atual é totalmente diferente: precisamos de empresas mais ágeis, participativas, inovadoras”, ressaltou.
Contudo, na prática, na medida em que o mercado se tornou mais dinâmico e as pessoas mais capacitadas, o nível de burocracia nas empresas só aumentou.
Neste sentido, o coautor de Humanocracia cita que, em 1988, Peter Drucker previu que até 2008, o número de gerentes nas empresas cairia pela metade. No entanto, essa previsão estava totalmente errada. O que aconteceu foi que a burocracia prosperou.
“Desde 1983, o número de gerentes, supervisores e administradores na força de trabalho dos EUA cresceu mais de 100%, enquanto o número de pessoas em todas as outras ocupações aumentou apenas 44%. Em uma pesquisa com 7 mil profissionais, quase dois terços dos entrevistados disseram que suas organizações se tornaram mais burocráticas nos últimos anos”, afirma o especialista, em um artigo publicado na Harvard Business Review.
Humanocracia: uma alternativa mais humana e alinhada à nova era
É fácil entender por que muitos gestores preferem a burocracia: ela é segura, familiar e dá um senso maior de controle.
É claro que é importante ter uma empresa organizada e com um bom controle das informações e dos processos. Porém, organização não precisa ser sinônimo de estagnação.
Em um cenário em que, para algo acontecer, é necessário a aprovação de quatro, cinco ou mais gestores, é impossível conseguir acompanhar a velocidade das mudanças do mercado.
“A culpa não é de nenhum gerente em particular, mas de um regime de gestão que dá poder a poucos às custas de muitos, que valoriza a conformidade em vez da originalidade, que encurrala os seres humanos em papéis estreitos, rouba-lhes sua autonomia e os trata como meros recursos”, reflete Michele.
O consultor contou no evento que não é contra os processos de controle de informações, consistência e coerência. Mas, questiona: será que não podemos fazer isso sem essa imensa camada de gestão?
Essa é a questão central na humanocracia: aproveitar ao máximo o potencial criativo das pessoas que trabalham na organização, independentemente de cargos e títulos.
“Humanocracia defende que precisamos colocar os seres humanos, não estruturas e processos, no centro de nossas organizações. Ao invés de um modelo de gestão que busca maximizar controle, pensando em eficiência, precisamos de um modelo que busque maximizar a contribuição, para gerar impacto. Ou seja, precisamos substituir burocracia por humanocracia”, argumenta.
Ele explica que a principal diferença entre esses dois modelos é a seguinte:
- Em um sistema de burocracia, os seres humanos são instrumentos. Eles são os “recursos” da organização, utilizados para gerar produtos e serviços.
A questão central aqui é: Como podemos fazer com que as pessoas sirvam melhor a organização? - Em um modelo de humanocracia, a organização é o instrumento. Ou seja, a empresa é o veículo que as pessoas utilizam para melhorar suas vidas.
A questão central nesse sistema é: Qual é o tipo de organização que fomenta o melhor que os seres humanos podem oferecer?
“O que conecta as empresas humanocratas é menos o que elas fazem e mais o que elas pensam”, reflete.
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Princípios da humanocracia
Durante sua apresentação, Michele destacou que, em qualquer campo, você vai encontrar fluxos que seguem esta hierarquia: paradigmas ➔ problemas ➔ princípios ➔ processos ➔ práticas ➔ performance.
“Existe uma visão de mundo compartilhada e um acordo sobre os problemas que precisam ser resolvidos, seguindo uma série de princípios orientadores. À medida que esses princípios são colocados em prática, eles geram um conjunto de processos e práticas que determinarão o desempenho do sistema”, detalhou.
O problema, ele aponta, é que em sistemas burocráticos, quando se busca melhorar os resultados, as empresas focam apenas nos processos, sem pensar nos paradigmas e problemas que estão por trás.
“Quando se fala em melhorar a performance, você precisa pensar além de apenas processos e práticas. É preciso mexer em paradigmas e direcionar os problemas que você quer resolver, pensando em quais novos princípios e processos você quer criar”, ressaltou.
Para tornar as empresas mais resilientes e humanas, a humanocracia sugere uma série de princípios que deve guiar os processos nas organizações:
“A ideia é que esses princípios precisam estar embutidos na realidade diária da organização, no modelo de gestão (processos e práticas). A única maneira de fazer mudanças fundamentais, é fazer a mudança no modelo de gestão, em como as áreas se relacionam”, frisa.
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A metamorfose da humanocracia
No livro, os autores reconhecem que não faltam problemas que precisamos resolver. Construir máquinas que pensam, reduzir as emissões de CO2, acabar com a desarmonia racial, combater superbactérias resistentes a drogas, acabar com o tráfico humano são alguns dos desafios da humanidade.
Como as empresas poderão se preparar para lidar com esses – e outros tantos – desafios?
O caminho, segundo Michel e Gary, é claro: aproveitando ao máximo o potencial humano da organização. “As escolhas sobre a forma como gerenciamos o negócio e como nos relacionamos com as pessoas irão mudar a trajetória da empresa”, comenta.
Contudo, não dá para imaginar que essas mudanças acontecerão da noite para o dia. Michele aconselha que a empresa aplique os princípios da humanocracia de forma gradual.
“Temos que dizer: temos objetivos revolucionários, mas vamos segui-los de maneira evolutiva. Se você faz de forma mais radical, mudando tudo de uma vez, vai falhar. A mudança que precisamos pensar não é algo como engenharia, mas algo como a metamorfose de uma lagarta para a borboleta. Muda completamente a função, mas para o animal é algo gradual, não é traumático”, esclarece.
Por fim, ele ressalta ainda que a mudança precisa ser participativa, envolvendo a todos, de modo que aumente o comprometimento das pessoas.
“Faça experimentos em diferentes áreas, testando novas ideias. Não precisa mudar todo o sistema de uma vez só. No início, comece no seu departamento. Uma ideia interessante é criar uma coalizão lateral, reunindo-se com pessoas dentro da organização que pensam como você, impulsionando esse movimento na empresa”, aconselha.
Saiba mais em: www.humanocracy.com
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