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Farol #34 – O ESG durou menos que um ciclo olímpico

A edição de 2025 da carta anual do CEO da maior gestora de ativos do planeta não menciona uma única vez a palavra “clima”. O que isso significa?

Neste mês, completamos nosso aniversário de cinco anos. A Economia B nasceu de uma inquietude de dois jornalistas com relação a como a emergência climática era (e ainda é) um tema distante das pessoas e do setor privado.

Em 2020, às vésperas da pandemia, parecia que o mercado havia despertado.

Ingênuos, acreditávamos que o reset do capitalismo proposto pelo Financial Times em 2019, cuja ideia foi comprada e liderada pela BlackRock (maior gestora de recursos do planeta), daria luz a um novo sistema econômico.

Em 2019, vimos John Elkington falar sobre resetar os mercados em um evento das empresas B em Amsterdam. Lembro que naquele momento eu pensei: ‘se um dos mais importantes jornais de economia do mundo está propondo esse movimento é porque realmente as coisas parecem estar mudando’.

Entre 2020 e 2023, só se falava em ESG e parecia que o mercado buscava se adaptar a algo que lhe é visceralmente estranho. Mas essa bolha não durou nem um ciclo olímpico. O jogo político e os interesses financeiros – respaldados por campanhas de desinformação nas redes sociais – se impuseram, e o movimento perdeu força.

Em 2018, a BlackRock teve um “poético” despertar para um senso de propósito que foi relatado na carta anual de Larry Fink, CEO da gestora. Em 2020, a mensagem evoluiu para uma grande e, aparentemente, inabalável convicção sobre colocar a agenda climática no centro das decisões de investimentos. Em 2021, Fink defendeu que a “sustentabilidade e conexões mais profundas com os stakeholders geram retornos melhores”.

No ano seguinte, o tom seguiu, mas os “veja bem” começaram a surgir. Foi ali que o ESG passou a ser tratado nos Estados Unidos como uma agenda ideológica propagada pelo movimento “woke”. Até que veio 2025 e a carta para os acionistas que investem trilhões de dólares via BlackRock ignorou totalmente o que vinha defendendo nos últimos anos.

Em 2020, Fink citou a palavra “sustentabilidade” 17 vezes em seu texto. Em 2025, zero. Em 2020, “clima” apareceu em 29 ocasiões. Em 2025, nenhuma.

Separei abaixo trechos de algumas cartas dos últimos anos. É um recorte histórico que representa como o mercado se move por modismos e interesses pontuais e que revela um contraste com a imagem de eficiência e racionalidade.

Cartas anuais de Larry Fink

  • 2018: “As empresas precisam ter um propósito social. Para prosperar ao longo do tempo, toda empresa precisa não apenas gerar desempenho financeiro, mas também demonstrar como contribui positivamente para a sociedade.”
  • 2020: “Acreditamos que o investimento sustentável é a base mais sólida para os portfólios dos clientes daqui em diante.”
  • 2021: “Sustentabilidade e conexões mais profundas com os stakeholders geram melhores retornos”
  • 2022: “O capitalismo de stakeholders não tem a ver com política. Não é uma agenda social ou ideológica. Não é ‘woke’. É capitalismo, impulsionado por relacionamentos mutuamente benéficos entre você e os funcionários, clientes, fornecedores e comunidades dos quais sua empresa depende para prosperar”.
  • 2025: “De todos os sistemas que criamos, um dos mais poderosos – e especialmente adequado para momentos como o que vivemos – surgiu há mais de 400 anos… Chamamos esse sistema de mercado de capitais”.

Esse mercado especulativo que oscila com a mesma racionalidade e equilíbrio que a minha gata quando implora pelo seu petisco favorito, é mesmo poderoso. E é justamente pelo o que ele significa e impõe há 400 anos que vivemos em um mundo em emergência climática com desigualdades abissais.

A bolha murchou

A ideia do capitalismo de stakeholders, que contamos aqui, parecia promissora nesses anos de euforia ESG, mas o mercado (esse ser fantasioso movido à especulação) e os acionistas (inconformados por terem que abrir mão de uma parcela de seus dividendos para viver em mundo habitável) não deixaram isso acontecer. O lucro do próximo trimestre venceu mais uma vez.

Bem como a trend da semana do TikTok, o ESG morreu. E como o mundo dos negócios é feito de modas e aparências, até que venha a próxima buzzword, a esperança é que as regulações se imponham sobre a indiferença e canalhice do mercado.

Em 2020, Larry Fink fez parecer que o jogo tinha mudado. Em 2025, voltou a tratar os “mercados de capitais” como heróis. Parou de falar em clima. Parou de citar sustentabilidade. Voltou ao discurso de sempre, como se a realidade fosse um investimento especulativo.

Talvez o ESG não tenha morrido, só voltou para o lugar de onde nunca saiu: o discurso bonito sem lastro na prática.

Inclusive, falei sobre isso em um reel no Instagram. Vamos continuar a conversa por lá?

Por aqui, seguimos na luta.

João Guilherme Brotto
Jornalista & MBA Em Desenvolvimento Sustentável e Economia Circular | Cofundador de A Economia B

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Pensamentos que iluminam e ecoam

“A transição para um modelo econômico sustentável representa uma oportunidade de 4,5 trilhões de dólares por ano. Ou seja, não estamos falando apenas de ética; estamos falando de estratégia de mercado.”

→ Solitaire TownsendChief Solutionist (amei esse título!) e cofundadora da Futerra, durante o Edie 25, evento que nossa editora Natasha Schiebel cobriu no fim de março, em Londres. Contamos um pouco do que ela viu aqui.


Empresas que são forças para o bem

🇫🇷 [Agronutris] Um ciclo completo

Muito se fala sobre a importância da redução do consumo de proteína animal para combater as mudanças climáticas, mas você sabia que isso vale não só para a alimentação humana, mas também para a dos próprios animais?

Segundo uma análise feita por pesquisadores brasileiros especializados em nutrição animal, utilizar proteínas alternativas (em vez de rações tradicionais) na alimentação animal pode não apenas reduzir os impactos ambientais, como também melhorar a saúde dos animais.

E ainda, proteínas que não usam antibióticos podem diminuir a resistência antimicrobiana, evitando a proliferação de microrganismos resistentes aos antibióticos. A saúde pública agradece!

A Agronutris é uma empresa francesa de biotecnologia especializada na criação e transformação de larvas da mosca soldado negra em proteínas para alimentação animal.

A empresa utiliza resíduos da agroindústria (como cascas de batata, polpa de beterraba e grãos de malte de cevada) para alimentar as larvas da mosca. Essas larvas são então processadas para produzir ingredientes ricos em proteínas que podem ser utilizados na alimentação de peixes e animais de estimação.

Vem aí: Estudo B #7

A Agronutris é uma das empresas que estará no novo relatório da série Estudos B.

O “Estudo B #7 – Pangeia, onde boas ideias se encontram” será um guia sobre inovação, tendências e histórias de impacto no setor de alimentos e bebidas na América Latina (de onde viemos – e para onde sempre olhamos) e Europa (onde parte da nossa equipe está baseada).

Nas páginas do nosso novo guia, que será lançado em breve, você vai conhecer organizações que estão ajudando a tornar o mercado de alimentos e bebidas justo e regenerativo.


Farol Recomenda

[Podcast] IBESG Talks: Do local ao sistêmico, aprendizados de 10 eventos internacionais

Como contamos em edições anteriores da Farol, em 2024, cobrimos 10 eventos sobre clima e sustentabilidade, em cinco países. A partir dessas coberturas, produzimos um guia com os principais aprendizados e tendências sobre sustentabilidade, ESG, impacto e regeneração.

Rafael Ávila, host do podcast IBESG Talks, viu esse material e convidou o João para participar do episódio #24 do programa.

Os dois falaram sobre como comunicar iniciativas de sustentabilidade sem cair no greenwashing (ou no desânimo), discutiram os bastidores do nosso trabalho jornalístico e compartilharam histórias que nem sempre entram nas matérias. Teve John Elkington, relatório de sustentabilidade, e muito mais.

Vale (muito) o play – no Spotify ou no YouTube.

→ Aliás, se você ainda não leu o guia “Do local ao sistêmico”, fica o convite. Para isso, basta acessar este link.


[Reportagem] Mestres amazônicos: saber de carpinteiros desce o rio e desemboca em sonho de repassar conhecimento tradicional

Esta reportagem do portal Amazônia Vox mexeu comigo. Em tempos em que somos dominados por tecnologias que descomplicam, simplificam e – ao mesmo tempo – desumanizam processos (e resultados!) nas mais diversas áreas, é bonito ver uma profissão tradicional como a da carpintaria sendo impulsionada.

A matéria fala sobre a criação da Escola de Carpintaria Amazônia, um desdobramento do projeto Carpinteiros da Amazônia, que tem o objetivo de valorizar mestres ribeirinhos, preservar saberes ancestrais e criar pontes com novos aprendizes e designers de outras regiões do Brasil.

Quer saber mais? Leia o texto completo e assista ao vídeo abaixo. Mais uma vez, vale (muito) o play.


[Relatório] 10 tendências para marcas com causa em 2025

Se sua organização atua (ou quer atuar) com impacto social de forma estratégica, sugiro dar uma olhada neste material.

A MOL Impacto ouviu executivos de 10 grandes marcas e mapeou os movimentos que devem ganhar força nos próximos meses no que diz respeito ao papel das empresas na construção de um futuro mais justo e sustentável.

Entre os destaques estão o uso de inteligência artificial para promover inclusão, cocriação com comunidades, respostas rápidas a emergências e a consolidação do produto social como ativo da nova economia.

Vale a leitura!


Para seguir pensando


A Farol da Economia Regenerativa condena práticas como greenwashing, socialwashing, diversitywashing e wellbeing washing. As informações compartilhadas aqui passam por um processo de checagem feito pelo nosso time de jornalistas, porém, sabemos que muitas vezes à primeira vista pode não ser fácil distinguir iniciativas legítimas de tentativas de greenwashing, por exemplo. Acredita que algo não deveria estar aqui? Fique à vontade para nos procurar.

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Redação A Economia B

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