Fui a Oxford cobrir o Louder Than Words, maior encontro de empresas B da história, organizado pelo B Lab UK. Começo a contar aqui o que vi por lá.
Mais de 1.300 pessoas estiveram em Oxford na semana passada para participar de um festival que tinha no centro dos debates o papel das organizações na construção de um futuro regenerativo, equitativo e justo para todas as pessoas e para o planeta. Eu era uma delas.
Fui ao Louder than Words – evento organizado pelo B Lab UK (órgão certificador das B Corps* no Reino Unido), que está sendo considerado o maior encontro de empresas B da história – com vários objetivos.
Primeiro, eu queria ver se as empresas que fazem parte do movimento de fato têm ações que falam mais alto do que palavras ou se isso era papo “pra inglês ver”.
Além disso, estava em busca de boas histórias para dividir com você, queria entender quais são as grandes questões que permeiam o dia a dia da comunidade B local, trocar ideias com pessoas que vêm fazendo negócios de jeitos diferentes (e fazendo a diferença) e, claro, promover intercâmbios de insights, reflexões e iniciativas entre a América Latina (de onde viemos e para onde sempre olhamos) e a Europa.
Abrimos nossa cobertura com dois vídeos-resumo do festival. Convido você a assisti-los no Instagram:
→ O segundo está aqui.
Nesta edição da Farol, começo a contar com mais detalhes o que vi por lá…
Boa leitura!
Natasha Schiebel
Cofundadora e Head de Conteúdo A Economia B
*PS: Se você não sabe o que são B Corps (ou Empresas B, como são chamadas no Brasil), recomendo a leitura deste artigo.
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[Cobertura internacional] 🏴 Direto de Oxford: Louder than Words, o festival do B Lab UK
Pensamentos que iluminam e ecoam
“Os problemas deste mundo estão conectados. E isso significa que nós também devemos estar. (…) Precisamos reconhecer o poder que podemos criar quando nos unimos – mesmo com aqueles com quem normalmente competimos – e descobrimos maneiras de trabalhar juntos, inovar, compartilhar, aprender e encontrar formas de ir mais longe e mais rápido juntos.”
Char Love
Diretora Global de Advocacy da Natura&Co e cofundadora do B Lab UK
Empresas que são forças para o bem
“Ações falam mais alto do que palavras.”
Esse era o tema-central do evento organizado pelo B Lab UK. E se tem uma iniciativa dentro do movimento B Corp que fala mais do que palavras quando o assunto é colaboração, é a B Beauty Coalition.
No palco do New Theatre, em Oxford, Jo-Anne Chidley (Fundadora da marca Beauty Kitchen UK) e Bernardo Maza (membro do conselho da coalizão) falaram sobre como mais de 80 marcas globais de beleza (muitas delas concorrentes entre si) estão trabalhando juntas para promover mudança e inovação por meio da colaboração.
Desde 2022, a B Beauty Coalition já avançou bastante em sua atuação. Hoje, o grupo tem pilares bem desenvolvidos e que podem servir de inspiração para empresas de outros segmentos que entendem que é possível se unir por propósitos comuns.
Jo-Anne compartilhou alguns marcos importantes em cada um dos pilares do movimento B:
- Governança: “criamos uma estrutura empresarial levando em conta as necessidades financeiras e legais [dos membros]”.
- Trabalhadores: “contratamos nosso primeiro funcionário e estruturamos as operações ao redor disso”.
- Comunidade: “estamos aprendendo a engajar nossos voluntários e apoiá-los, porque eles realmente acreditam no poder da colaboração”.
- Meio ambiente: “criamos um modelo para entender melhor o que compõe as embalagens dos produtos de beleza e escolher o que melhor atende às necessidades dos negóios”.
- Clientes: “estamos provando que uma mentalidade de colaboração pode alcançar muito mais do que jamais poderíamos sozinhos”.
Segundo ela, no fim das contas, tudo se resume à circularidade – “precisamos repensar como produzimos, reduzimos, consumimos e colaboramos”, disse.
“Ao adotar essa mentalidade, não estamos apenas reduzindo o desperdício, mas construindo um futuro sustentável, onde cada ação tem um propósito e cada escolha contribui para a construção de um futuro mais sustentável. Vamos fechar o ciclo juntos. A colaboração não é apenas uma escolha ou uma opção – é o caminho a seguir. Juntos, podemos mudar a indústria. Juntos, podemos gerar impacto positivo”, concluiu.
Para pensar: Com quem você pode colaborar hoje para dizer sim à colaboração em vez da competição? Há um compromisso ou promessa que você pode fazer em nome da sua indústria e do planeta?
Você sabia que…
… quase metade (44%) das terras habitáveis do mundo é utilizada para a agricultura?
No total, isso representa uma área de 48 milhões de quilômetros quadrados (km²), o que equivale a cerca de cinco vezes o tamanho dos Estados Unidos.
Além disso, cerca de 25% a 30% das emissões globais vêm dos nossos sistemas alimentares, e esse número sobe para cerca de um terço quando incluímos todos os produtos agrícolas.
Esses dados foram apresentados por Will Howard, Diretor Geral da GrowUp Farms, no painel Transformando o setor de alimentos e bebidas
3 insights do painel “Transformando o setor de alimentos e bebidas” que servem para empresas de todos os setores
Na Farol #21, contamos que o próximo Estudo B será um guia sobre inovação, tendências e histórias de impacto socioambiental e ação climática no setor de alimentos e bebidas na América Latina e Europa.
Por isso, um dos painéis que eu estava mais interessada em assistir em Oxford era o que reuniria profissionais deste mercado com o objetivo de debater iniciativas para torná-lo regenerativo.
Participaram do painel:
- Paul Hargreaves – CEO da distribuidora de alimentos e bebidas Cotswold Fayre
- Mark Brooking – Fazendeiro, consultor e diretor de impacto da cooperativa de laticínios FirstMilk
- Kate Cawley – Fundadora do Future Food Movement, maior programa de capacitação climática em massa do Reino Unido, que tem a ambição de revolucionar o papel que indivíduos e empresas desempenham na indústria de alimentos e bebidas do Reino Unido e combater as mudanças climáticas.
- Will Howard – Diretor-geral e CCO da fazenda vertical GrowUpFarms
- Rosie Brown – Co-CEO da COOK, empresa que produz comida congelada caseira
Estou produzindo um artigo detalhado sobre o painel, mas achei que valia trazer para cá três insights rápidos:
1) Só mudanças radicais fazem a diferença
Paul Hargreaves, CEO da Cotswold Fayre, criticou a ideia de que o uso de frutas e vegetais “imperfeitos” em alimentos processados seja suficiente para combater o desperdício de alimentos.
Para ele, apresentar essa prática como uma grande iniciativa sustentável é enganoso, pois não resolve as causas profundas do desperdício alimentar.
“Frutas e vegetais ‘imperfeitos’ sempre foram usados na indústria de manufatura, então dizer que somos uma B Corp que usa frutas e vegetais imperfeitos para fazer produtos não é algo tão radical, certo? Precisamos de empresas melhores, completamente diferentes, radicais – não apenas fazer ajustes superficiais. Precisamos mudar todo o sistema para que seja mais eficiente e reduza o desperdício em cada etapa, desde como os alimentos são cultivados, distribuídos e vendidos, até como são consumidos. Trata-se de criar um sistema que previna o desperdício desde o início, e não apenas lidar com ele depois”, avaliou.
2) Em time que está ganhando se mexe, sim
Não é porque você tem um produto best-seller que não precisa repensá-lo.
Rosie Brown, co-CEO da COOK, contou que, recentemente, a empresa investiu no desenvolvimento de uma versão do seu produto mais vendido que tem um impacto ambiental menor. “Criamos uma lasanha com uma pegada de carbono 35% menor do que a tradicional, sem afetar a qualidade do produto e o sabor. Por esse ser nosso produto mais vendido, qualquer melhoria na sustentabilidade terá um impacto significativo ao longo do tempo”, avaliou.
A partir da própria experiência, a executiva convidou a plateia a refletir sobre como seguir o mesmo caminho.
“Como podemos redesenhar os produtos? Como podemos depois levá-los para o mercado? Como podemos fazer com que os clientes os escolham? E como juntamos tudo isso? É isso que muda a cultura”, provocou.
3) Para mudar a cultura, é preciso mudar as regras do jogo
Por fim, todos os participantes do painel concordaram que a transformação do setor de alimentos e bebidas depende de políticas governamentais mais fortes. Para eles, as organizações também têm um papel importante nesse aspecto.
“O maior desafio que enfrentamos agora é agir como um só, como uma indústria, para pressionar por uma mudança mais ampla. Precisamos fazer nossa voz ser ouvida e usar nossa influência para pressionar por um campo de atuação mais justo, com políticas públicas que incentivem escolhas alimentares sustentáveis”, disse Kate Cawley, do Future Food Movement.
Farol Recomenda
[Série de lives] O que os políticos municipais podem fazer pelo clima?
“Não restam dúvidas de que o clima mudou. Nestas eleições, precisamos mudar a política também!”
A partir dessa premissa, a plataforma ((o))eco e a iniciativa Vote pelo Clima (que conecta o eleitorado a candidaturas comprometidas com a construção de políticas para enfrentar a crise climática e prevenir novos desastres) vão promover quatro lives com especialistas sobre eleições municipais e mudanças climáticas.
Esta é a programação:
- 23/09 às 19h | Mobilidade urbana
- 25/09 às 19h | Gestão de Resíduos e saneamento
- 30/09 às 19h | Qualidade do ar e saúde
- 02/10 às 19h | Desastres ambientais e adaptação climática
[Podcast] Ações individuais – Tortinha de Climão #39
Essa não é a primeira vez que incluo um episódio do podcast Tortinha de Climão no Farol Recomenda – e provavelmente não será a última. As pautas são sempre muito alinhadas ao que cobrimos aqui e a host (a física Marina Monteiro) tem uma didática incrível para descomplicar temas que a princípio parecem complicados.
A premissa do Tortinha de Climão #39 é esta: “Deveríamos nos preocupar com nossas ações individuais enquanto o bilionário pega um jatinho pra dar uma voltinha no sábado a tarde? Talvez não muito, mas um pouco sim, e nesse episódio discutimos um pouco mais disso”.
Em menos de 15 minutos, Marina fala sobre diferentes tipos de ações individuais e seus impactos na sociedade e no planeta.
[Livro] O quinze
Eu tenho a impressão de que a seca é um evento climático que demora a ter suas consequências claras para todo mundo.
Falando especificamente sobre a seca no Brasil, talvez por historicamente esse problema ter afetado de maneira mais severa a região Nordeste, a falta de chuva até pouco tempo não parecia ser tratada como tão grave quanto seu extremo oposto – as enchentes, que, além de serem mais comuns por todo o território nacional, literalmente levam casas embora, desabrigam pessoas e animais e destroem cidades quase de uma hora para outra, produzindo imagens que gritam “perigo”.
Mas, nas últimas semanas, uma combinação de fatores – queimadas criminosas combinadas à maior seca da história recente do país – contribuiu para que o tema ganhasse mais atenção.
Nesse contexto, lembrei de um clássico da literatura brasileira que retrata os impactos desse evento climático na vida de diversos personagens com histórias comuns e que, na minha opinião, todo mundo deveria ler. Estou falando de O quinze, escrito por Rachel de Queiroz.
Como diz a apresentação do livro no aplicativo Goodreads, “ao narrar as histórias de Conceição, Vicente e a saga do vaqueiro Chico Bento e sua família, Rachel expõe de maneira única e original o drama causado pela história seca de 1915, que assolou o Nordeste brasileiro, sem perder de vista os dilemas humanos universais”.
Vale muito a leitura.
Para seguir pensando
🇧🇷
- [via Observatório do Clima] Carta de ministros à UE sabota liderança climática do Brasil
- [via Reset] Na COP29, espere nova queda de braço sobre dinheiro
- [via Época Negócios] Como a economia verde está criando novas oportunidades de trabalho para o futuro
- [via Política por Inteiro] Expectativa: Mercado regulado de carbono sairá no esforço concentrado?
- [via O Joio e O Trigo] O gosto amargo das frutas brasileiras padrão exportação – Reportagem vencedora do Prêmio Anamatra de Direitos Humanos
🏴🇺🇸
Os textos abaixo estão em inglês. Trago um pequeno contexto sobre cada um para você só clicar se realmente tiver interesse 🙂
- [via Reuters] The Brazilian farmers who are trying to keep the world in its coffee habit despite climate change → Estima-se que as áreas adequadas para o cultivo de café possam encolher em 50% até 2050 por conta das mudanças climáticas. Para garantir seu futuro, cafeicultores precisam utilizar técnicas de agricultura regenerativa. Essa reportagem traz boas histórias de agricultores brasileiros que já estão seguindo este caminho
- [via Financial Times] Brazil wants to be a climate champion and an oil giant. Can it be both? → “Em seu discurso de posse, o presidente disse que ‘nenhum outro país tem condições como o Brasil para se tornar uma grande potência ambiental’. Em um ato de equilíbrio entre a preservação ambiental e o crescimento econômico, Lula em breve terá que convencer o mundo exatamente o que isso significa”, destaca o Financial Times nesta reportagem que debate se o Brasil pode ser, ao mesmo tempo, um líder climático e um gigante do petróleo
- [via Raconteur] Business can be a force for good, but we need to change the system → Neste artigo, Chris Turner, Diretor executivo do B Lab UK, destaca que a mudança sistêmica exige uma mudança cultural – uma transformação nas ideias, normas e comportamentos – e fala sobre o que é necessário para realmente influenciar positivamente o sistema
- [via Forbes] Why African Groups Want Reparations From The Gates Foundation → Organizações africanas estão pedindo reparações à Fundação Gates pelos impactos negativos de suas intervenções na agricultura em países no continente. Este artigo explora essa crescente pressão sobre as ações filantrópicas da fundação e os pedidos para que ela “pare de ajudar”.
- [via The New York Times] This Chatbot Pulls People Away From Conspiracy Theories → De acordo com esta reportagem, cerca de 50% dos americanos acredita em teorias conspiratórias que levam a consequências como desencorajar a vacinação ou alimentar a discriminação. Porém, um estudo publicado na revista Science mostrou que o DebunkBot, um chatbot de IA desenvolvido por pesquisadores do MIT, pode oferecer uma maneira prática de direcionar os fatos, desafiando a crença amplamente difundida de que fatos e lógica não podem combater teorias da conspiração