Novos princípios de investimento da BlackRock respondem a tendências de consumo, políticas públicas, fatores macroeconômicos e à crescente agenda ESG. Mas será que o discurso se reflete na realidade?
Em mais um capítulo da história do mercado financeiro buscando se ajustar a um futuro cada vez mais ESG, a BlackRock (maior gestora de ativos financeiros do mundo) publicou um documento para apresentar seus cinco princípios globais de investimento para 2022.
Em Investment Stewardship 2022 Policies Updates Summary, a firma, que administra quase 10 trilhões de dólares, revela que os princípios são uma atualização a respeito de como vem se posicionando nos últimos anos e que, além disso, acompanham um ambiente de negócios que está mudando em resposta a tendências de consumo, políticas públicas e fatores macroeconômicos.
A BlackRock afirma que se a governança corporativa evolui em resposta a essas questões, suas políticas também. Ao mesmo tempo, reconhece que as empresas estão enfrentando incertezas e pressões contínuas, em um ambiente de negócios desafiador. “Em geral, nossa visão a respeito de governança de investimentos reflete os padrões e as normas de governança que acreditamos que apoiam a criação de valor a longo prazo”, aponta o documento.
Se fosse um país, a BlackRock seria a terceira maior economia do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China e superando, de longe, a Alemanha – que tem um PIB de 3,8 trilhões de dólares. Bem por isso, ao se posicionar, a gestora contribui para ditar os rumos da governança corporativa global.
As cinco atualizações na política de governança de investimentos estão baseadas nos seguintes fatores:
Dando continuidade ao que vem fazendo nos últimos anos, a BlackRock segue solicitando que as empresas divulguem um plano de negócios carbono zero consistente e alinhado ao seu setor e modelo de negócios.
A firma diz entender que apesar de a mudança climática ser uma questão muito desafiadora para o setor privado, há um consenso crescente a respeito de que empresas podem se beneficiar de um ambiente macroeconômico em transição para o carbono zero. “Para 2022, encorajamos que empresas demonstrem que seus planos são resilientes sobre prováveis caminhos de descarbonização e à aspiração global de limitar o aquecimento da Terra em 1.5°C”, aponta o relatório.
A BlackRock diz estar fortalecendo seu foco em diversidade nos Conselhos Administrativos. No entanto, reconhece que a construção de um Conselho forte e diverso pode levar tempo.
A gestora está interessada no tema como uma forma de “promover diversidade de pensamento que tende a gerar decisões mais inovadoras e melhores resultados econômicos para as companhias e acionistas no longo prazo”.
Em razão disso, solicita aos Conselhos que informem como a diversidade é considerada em sua composição, incluindo características demográficas como gênero, raça, etnicidade e idade, bem como experiência profissional, áreas de especialidade e localização geográfica.
“À medida que a sociedade e a força de trabalho se tornam crescentemente diversa, a BlackRock acredita que Conselhos diversos podem promover uma maior diversidade e resiliência na liderança e na força de trabalho e, por fim, permitir que as empresas respondam melhor às necessidades de seus stakeholders e gerem valor para o acionista no longo prazo.”
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Tendo em vista os contínuos avanços em padrões de relatórios de sustentabilidade, a BlackRock está evoluindo sua perspectiva sobre o que exige a respeito de como empresas devem reportar sustentabilidade.
Segundo o documento, a cobrança será cada vez maior para que empresas tenham métricas específicas de sua indústria e de seu negócio. “Assim como temos feito há vários anos, continuaremos pedindo que empresas publiquem relatórios de sustentabilidade robustos para que os investidores possam avaliar mais facilmente a gestão de risco e valor atrelados aos aspectos ambientais e sociais da organização”, aponta.
Além disso, a gestora mantém as recomendações de seguir padrões globais – como o Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD) e o Sustainability Accounting Standards Board (SASB).
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A Black Rock defende que os planos de incentivo da alta gestão sejam baseados em métricas de desempenho e estejam alinhados com o modelo de negócio e com a estratégia de longo prazo da empresa.
“Nós não temos uma posição binária a respeito de a empresa incluir critérios ESG nos programas de compensação de executivos. Mas, se o fizer, as métricas devem ser alinhadas com a estratégia e com o modelo de negócios, devem ser conectadas com o desempenho da empresa e serem tão rigorosas como as métricas financeiras e operacionais.”
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Nos Estados Unidos, as Benefit Corporation são uma qualificação jurídica (como as S/A, LTDA, Micro Empresa, etc. no Brasil) regulamentadas por um projeto de lei em 37 estados (e contando). Enquadram-se nesse modelo empresas que fazem parte do chamado capitalismo de stakeholders. Ou seja, são empresas com fins lucrativos, mas não somente. Ainda que não sejam necessariamente empresas B certificadas, a lógica é parecida.
Na França, uma lei de 2019 criou as chamadas “Entreprise à Mission”. São empresas que têm objetivos ambientais e sociais alinhados ao seu propósito e documentados nos registros legais da empresa.
Nesse contexto, à medida que governos avançam na criação de regulamentações específicas para empresas interessadas em migrar a visão voltada aos shareholders para os stakeholders, mais empresas buscam se adequar. E a BlackRock informa que, enquanto agente fiduciário, geralmente apoia essas propostas de gestão – se sua análise indicar que os interesses dos acionistas são igualmente protegidos.
Além disso, ao introduzir sua posição oficial a respeito do tema, a gestora ressalta que toda proposta de mudança na estrutura legal da empresa deve passar pelo aval dos acionistas e articular de que forma os interesses deles e de outros stakeholders serão impactados.
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O site O Joio e o Trigo, que faz um trabalho de jornalismo investigativo sobre alimentação, saúde e poder, publicou uma matéria em novembro de 2021 para denunciar que, apesar dos discursos recorrentes de iniciativas ESG por parte da BlackRock, a gestora está entre as 10 maiores acionistas das 50 empresas que mais causam deflorestamento no mundo, controlando mais de US$ 1,8 bilhão em capital de empresas desmatadoras em 2018.
Os dados são da ONG norte-americana Amazon Watch e estão publicados no estudo Black Rock’s Big Deforestation Problem.
No vídeo abaixo, o advogado indígena Luiz Eloy Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), comenta o estudo, cita sobre uma reunião que teve com a BlackRock a respeito do envolvimento da gestora com empresas predatórias e cobra uma posição.
Em entrevista exclusiva, Fabio Alperowitch, sócio da FAMA Investimentos, empresa B que subverte as premissas do mercado financeiro, alertou que o crescimento abrupto do ESG tem provocado uma onda de greenwashing. “A empresa, neste caso, vende-se como socialmente responsável, sem que de fato o seja. Desavisado, o analista conforta-se por entender que a empresa faz o bem. E erroneamente a considera como tendo alto padrão de ESG”, sinaliza.
Ou seja, é nítido que o mercado financeiro está buscando se adequar ao que lhe é historicamente estranho. Porém, essas incoerências entre discurso e realidade não escondem que o caminho é longo.
Por fim, como bem nos revelou João Pacífico, CEO ativista do Grupo Gaia e uma voz crítica à mentalidade dominante no mercado de investimentos, “em geral, as pessoas podem mudar por consciência, coerência ou constrangimento. Mas esse mercado financeiro só vai mudar pelo constrangimento.”
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Imagem de destaque: Daniel Lloyd Blunk-Fernández / Unsplash
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