Negócios de impacto

Ecossistema de impacto: desafios, insights e tendências

Carolina Aranha, especialista em investimentos de impacto, comenta a agenda anti-ESG, dá dicas para empreendedores, fala sobre tendências e critica o status quo do mercado financeiro que afasta investidores do ecossistema de impacto

Carolina Aranha é fundadora da Impactix, consultoria especializada em fomentar o ecossistema de impacto socioambiental no Brasil. Desde 2011, ela trabalha junto a grandes empresas, family offices, institutos e fundações em múltiplas frentes – que passam pela estruturação de veículos de investimento, advisory de investimentos de impacto, criação e análise de pipeline de potenciais investidas e negociação de investimentos. 

Na outra ponta, dá suporte a empreendedores na criação de modelos de negócio e startups, e estruturação para captação de investimento. Além disso, é uma das fundadoras da Pipe.Social, plataforma que reúne a maior base de negócios de impacto do Brasil e funciona como uma bússola para o setor.

Convidamos Carolina para conversar sobre desafios, tendências, entraves e oportunidades do setor. Ela comenta a crescente agenda anti-ESG nos Estados Unidos, fala sobre seus motivos para ser otimista e compartilha suas expectativas para o Brasil.

Na entrevista, Carolina também faz críticas a gestores de investimentos que ignoram o setor de impacto e a instituições que premiam seus gestores com base apenas em métricas financeiras. “Os gestores de investimento não estão capacitados para lidar com investimentos sustentáveis. Essa falta de capacitação e conscientização é um obstáculo para a alocação em negócios sustentáveis. O sistema de premiação e cobrança dos gestores é voltado apenas para métricas de retorno financeiro, o que desencoraja investimentos sustentáveis”, lamenta.

Por fim, ela provoca investidores a se questionarem sobre o que seu dinheiro está nutrindo e orienta empreendedores de impacto preocupados com os boletos de amanhã. “Não é fácil, mas é preciso ter resiliência e se apaixonar pela solução do problema, não pela sua solução. Isso amplia o espectro de uma forma muito interessante”, conclui.

Assista à entrevista na íntegra, em vídeo. Após o video, há uma versão editada da entrevista, em texto. 

A Economia B: Nos últimos anos, os investimentos de impacto ganharam popularidade. Mais pessoas estão olhando para o impacto, mas por outro lado a maior parte do mercado financeiro ainda não está preocupada com o que seu investimento financia. Além disso, vivemos em um contexto que desperta fenômenos como o movimento anti-ESG, muito forte nos EUA, e investidores cobrando que os resultados prometidos da agenda ESG não estão vindo. Como  você enxerga esse contexto?

Carolina Aranha: Do ponto de vista do investidor, que eu trabalho muito próximo, realmente é muito frustrante quando a gente vê o volume de investimentos alocados em várias classes de ativos e o volume que é alocado em negócios de impacto socioambiental.

Primeiro, é importante dizer que dentro do espectro de classes de ativos disponíveis ao investidor, os negócios de impacto impacto socioambiental estão na categoria de venture capital, de mais risco e um pouco mais complexa de investir. Apesar de hoje a gente não necessariamente ter que se expor ao risco de investir diretamente nesses negócios, pois existem plataformas que oferecem tickets mais baixos, não deixa de ser uma categoria bem específica de venture capital de risco em que a pessoa aloca de 2% a 3% do patrimônio, se for muito arrojada.

Mas a gente tem todo o resto, os 97%, que estão em outras classes de ativos que, por exemplo, podem estar super alocadas em petróleo, em armas, em investimentos que não trazem impacto positivo, pelo contrário. Então eu acho que a primeira questão do ponto de vista de awareness, de acordar esses investidores, é [analisar] o que o seu dinheiro está nutrindo. Dentro desse seu espectro de alocações, onde você aloca seu dinheiro? O que que você está querendo nutrir?

Isto posto, existe uma barreira de complexidade muito grande quando a gente fala de um certo patamar de dinheiro que são os gestores que vão alocar esse recurso, que vão recomendar os investimentos.
Estes gestores hoje, no meu ponto de vista, são um grande blocker dentro do processo de alocar em negócios de impacto porque simplesmente não são capacitados e não entendem. Além disso, o mecanismo de premiação e de cobrança desses gestores é muito perverso, porque eles são cobrados somente por métricas de retorno.

São questões relativamente pequenas, mas muito importantes: Como é que você muda o mandato dos gestores? Como é que você os capacita? Porque muitas vezes o investidor até gostaria de investir em impacto, mas ele é desmotivado pelo gestor que não entende, não é capacitado para tal, e não é cobrado por isso. Então eu vejo isso como um grande desafio para a gente conseguir alocar investimentos em negócios sustentáveis.

Mas, por outro lado, eu sou mais otimista, porque eu acho que existem outras forças – como, por exemplo, as novas gerações e mulheres – que têm esse mindset para alocar em impacto e pedir mudanças. Nos próximos 30 anos, teremos a maior transferência de renda e de dinheiro de história para essa nova geração. São trilhões de dólares indo para essa nova geração, que é mais ligada em sustentabilidade e em impacto e que cobra uma postura mais séria com relação a ESG.

Além disso, vemos a comunidade europeia, desde a pandemia, fazendo planos de resgate de países atrelados a metas de descarbonização; e nos Estados Unidos [com] o Inflation Reduction Act of 2022 – que é, desde o plano Marshall, o maior plano de distribuição e de crédito e de dinheiro – sendo injetado no mercado para fazer a transição para a economia verde.

Esses são três fatores que me apego muito, apesar de toda essa essa avalanche anti-ESG, essa questão da polarização dos Republicanos que usam a força do lobby e uma máquina muito potente nos Estados Unidos para desacreditar essa onda verde, eu sou otimista com que vem por aí, se não a gente vai fritar.

Leia também: Como empreender e investir com impacto social no Brasil?

AEB: Você acha que essa agenda anti-ESG, que hoje é muito forte nos Estados Unidos, pode ser exportada?

Carolina: Eu não tenho dúvida de que é muito forte. Eu fiquei muito chocada nas últimas vezes que eu fui para os Estados Unidos e senti esse embate. Quando a gente analisa os vetores dessas discussões, vem muito da pauta Republicana, de estados que dependem de óleo e gás e que têm muito dinheiro para lobby e fazem discursos anti-ESG nas máquinas de comunicação e nas mídias sociais. 

Eles viram grandes titãs da indústria, como a BlackRock, desinvestindo em estados que eram muito produtores de petróleo e sentiram. Então, vão com as armas que têm. Eles tentam detonar essa questão ESG, falando que o ESG vai trazer perda de empregos e que a transição tem que ser mais lenta, só que o mundo não acomoda uma transição mais lenta. A gente precisa tomar decisões mais drásticas dentro dessa agenda de descarbonização.

Outra questão que acaba pegando muito a pauta anti-ESG,é que realmente a gente tem um desafio com relação às métricas. A gente não não está comparando banana com banana, por exemplo, quando a gente fala de um plano de descarbonização. “Eu devo investir em descarbonização ou em educação de ensino fundamental?” É muito difícil você tomar essa decisão, fazer essa medição. Porque nem tudo se limita à mesma métrica, e a gente tem que ter um olhar de outputs e outcomes que muitas vezes são mais complexos na análise de um investimento, na análise de projetos. Esse anti-ESG joga muito com a questão de métricas.

Apesar de não termos um padrão dessas métricas no mundo, que eu nem acho que é saudável e nem acho que teremos, eu vejo muita conversão de grandes, do Task Force on Climate-related Financial Disclosures, por exemplo, e de outros tipos de métricas migrando para termos alguns consensos no mercado de padronização de medição e conseguirmos ‘comparar banana com bananaʼ dentro desse setor. Eu acho que isso é um dos grandes ofensores dessa briga ESG.

AEB: Em 2019 você deu uma entrevista ao site Aupa e disse que praticamente 40% dos negócios de impacto necessitam de muito pouco para conseguir dar os primeiros passos e superar o famigerado vale da morte do empreendedorismo. Por outro lado, você falou que os fundos têm capital para alocar, mas buscam investimentos maiores, em negócios já estabelecidos. Esse desencontro sinaliza que boas ideias podem morrer pelo caminho por não ter acesso a capital no momento que mais precisam.

Passados pouco mais de quatro anos, isso mudou? O mercado está mais amadurecido e favorável aos empreendedores em estágio inicial, ou ainda temos o mesmo problema?

Carolina: Infelizmente o que acontece com negócios de impacto em fase inicial é que são startups tentando provar o modelo de negócio. Estão numa fase de teste e de potenciais pivotagens, o que exige um capital de muito risco. Quando a gente fala desses tickets mais baixos de investimento, o que é interessante notar é que nesta fase vão acionar o que chamamos de 3 Fs (Family, friends and fools), família, amigos ou idiotas, numa tradução mais aberta. Ou seja, pessoas que se dispõem a colocar dinheiro nesse tipo de negócio com tanto risco. E é por isso que é tão difícil você acessar esse tipo de capital nessa fase inicial.

De lá cá para melhorou? Melhorou. Melhorou em que sentido? Bom, a gente tem algumas aceleradoras abrindo linhas de crédito, de empréstimos, de mútuos simples, mútuos conversíveis. Geralmente nessa fase é muito difícil eles pagarem juros altos, por isso também é muito complicado eles conseguirem ter um fluxo de caixa que permita esses empréstimos. Então, a situação continua bem difícil.

O que eu acho que mudou é que os empreendedores estão mais maduros. Eles estão pensando de uma forma menos artesanal do que eu via no começo. As pessoas eram muito apaixonadas pela solução e não por resolver o problema. Essa diferença parece pequena, mas é muito grande, porque quando você é apaixonado pela solução você não se permite pivotar, você não se permite escalar. Mas quando você se apaixona por resolver o problema, a sua amplitude de possibilidades e de escala se multiplica.

Nesse sentido eu vejo uma maturidade desses investidores até do ponto de vista mesmo etário. A gente vê empreendedores sociais entrando no mercado depois de muita experiência, passagens por grandes empresas. Então eles já vêm com um negócio mais maduro e mais sofisticado para poder receber um tipo de empréstimo e de investimento que seja mais consistente.

Além disso, a gente vê também a maturidade de institutos e fundações abrindo empréstimos para negócios de impacto, que é uma das coisas que eu acredito bastante. Porque o capital filantrópico também deveria estar disponível para poder favorecer, junto com diversos tipos de veículos – como blended finance e venture philanthropy – alguns colchões in the risking para esse tipo de negócio, se ele está resolvendo um problema que é a missão deste instituto e fundação.

AEB: Que conselho, dica ou caminho, você daria para esse empreendedor que está nesse “Vale da Morte” agora e pensando em como vai pagar o boleto amanhã cedo?

Carolina: Não é fácil, mas é preciso ter resiliência e se apaixonar por solucionar o problema, e não pela sua solução. Isso amplia o espectro de uma forma muito interessante.

Uma terceira questão que ajuda muito é: o quanto você consegue escalar seu negócio? Os negócios mais “sexy” para serem investidos são aqueles que escalam. Afinal, nossos problemas são gigantes. Então, você sempre tem que pensar na escala e geralmente isso você não faz descolado de uma tecnologia.

Uma última questão que eu acho importante é entender essas dinâmicas de investimento do mercado. Você precisa aprender a falar “o financeiro”, tanto com investidores quanto com bancos e fundos. Isso é superimportante nessa fase de captação.

A gente vê que quem se dá bem, é quem realmente consegue falar esse ‘idiomaʼ. Entender a dinâmica do mercado, de mútuo simples, mútuo conversível, quais são as vantagens, quais são as desvantagens, o que isso pode impactar dentro da sua empresa, nesse seu crescimento, isso também ajuda bastante. E não desista!

AEB: Em agosto de 2023, o Governo Federal instituiu a Estratégia Nacional da Economia de Impacto (ENIMPACTO), com o objetivo de promover atividades que busquem o equilíbrio entre os resultados financeiros e as soluções para problemas sociais e ambientais. O que podemos esperar dessa movimentação?

Carolina: A gente está muito otimista, depois de um tempo relativamente parado no governo. Agora a gente vê uma agenda de um governo que tenta se posicionar como uma liderança dentro desse setor de impacto social e ambiental. A gente volta a trabalhar com bastante intensidade junto com o governo para essas pautas conseguirem fluir e a gente ter um ecossistema mais maduro e que favoreça os negócios de impacto. Eu estou bem otimista com relação a isso.

E com esse novo plano do governo, com esse novo posicionamento, com os novos compromissos de descarbonização, o Brasil tem que aproveitar para surfar essa onda de muitos países querendo entrar com recurso. Se a gente conseguir aproveitar essa chance e surfar essa onda do lítio, da descarbonização, do crédito de carbono, dos mercados, da agricultura sustentável, eu acho que a gente tem uma grande chance de fazer uma história diferente para o nosso país. É uma questão de conseguir aproveitar isso de uma maneira inteligente.

AEB: A respeito de tendências, o que está em seu radar?

Carolina: Eu vejo uma tendência muito forte de a gente conseguir surfar a onda dentro da descarbonização e novas soluções, principalmente, para agricultura sustentável, medição de crédito de carbono e todas as tecnologias e infraestrutura para isso dar certo. E conseguir fazer com que essas cadeias trabalhem pela descarbonização. Então, eu vejo muito investimento entrando de fora, muitos fundos robustos entrando no Brasil e sendo estruturados aqui como uma boa tendência. Outra questão: saneamento, energias alternativas e as questões de infraestrutura básica do Brasil também têm um potencial para negócios de impacto. 

AEB: Algum recado final?

Carolina: É importante a gente manter sempre o otimismo e não nos deixar paralisar. Porque o que a gente vê no dia a dia às vezes pode ser tão paralisante… As notícias negativas chegando de todos os lados, guerras surgindo, tanto preconceito e tanta polarização. Eu acho que a gente tem que se manter fiel e seguir, com resiliência e com otimismo, para conseguir fazer um mundo melhor, e não nos deixar paralisar por isso.

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Publicado por
João Guilherme Brotto

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