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Crescimento de energias renováveis no Brasil está atrelado à grilagem de terras

Crescimento de energia renovável no Brasil está atrelado à grilagem de terras
Imagem: Joelma Antunes, Coletivo de Assessorias Cirandas

Estudo publicado na revista Nature Sustainability detalha como a expansão rápida da geração de energia eólica e solar nas últimas duas décadas favoreceu o avanço irregular de empresas sobre terras públicas para a instalação de usinas no Brasil, em especial no Nordeste

Texto escrito por: Cínthia Leone, Instituto Climainfo

Até 2021, mais de um terço dos parques eólicos do Brasil foi construído em locais sem título de terra, sendo que áreas públicas não-designadas de uso comum respondem por 7% do total ocupado e outras formas de terras públicas, 2%. Além disso, 28% da área registrada até aquele ano baseia-se exclusivamente no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento inválido como comprovante de titulação fundiária.

A análise foi feita por pesquisadores da Universidade de Recursos Naturais e Ciências da Vida (Áustria) e da University London College (Inglaterra). Os pesquisadores cruzaram dados espaciais de parques eólicos e solares, situação fundiária e investimentos realizados entre 2000 e 2021.

Empresas globais, principalmente da Europa, têm dedicado investimentos significativos ao setor energético do Brasil. Embora empresas listadas como nacionais respondam por 89% dos parques eólicos, a maioria opera como subsidiárias de conglomerados internacionais. Empresas com participação estrangeira atuam em 78% do terreno ocupado por parques eólicos. O índice sobe para 96% no caso de usinas de energia solar fotovoltaica.

As dez maiores empresas eólicas constam como brasileiras, mas sete delas são subsidiárias de companhias de fora e somam 68% da área dedicada a esses parques no país. As gigantes Enel (Itália) e Engie (França) detêm juntas 52% da área.

A energia solar fotovoltaica centralizada mostra um nível ainda maior de participação estrangeira: está em 90% da área ocupada pela atividade. Só a Enel está em 30% dessas terras. Muitas dessas empresas, destaca a análise, têm financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) exige a garantia de direito de utilização do espaço para conceder a outorga – que autoriza a instalação e a operação – às empresas. Com isso, há uma corrida pelo arrendamento ou cessão de uso da área onde o parque será instalado.

Esse processo tem prejudicado severamente os pequenos proprietários, que estão sujeitos a contratos abusivos, como demonstrou estudo publicado pelo Inesc em 2023.

“Dado o ritmo de aquisição de terras, há uma correlação direta entre a privatização (da terra) e o desenvolvimento de parques eólicos e solares fotovoltaicos”, escrevem os autores em uma nota que acompanha a publicação. “Isso é particularmente grave no Nordeste do Brasil, onde as condições geofísicas são ideais para o desenvolvimento de energia renovável, mas a posse da terra é sujeita a uma profunda insegurança e conflito decorrente de iniquidades históricas na propriedade da terra, lacunas regulatórias e governança fraca.”

Grilagem verde

Enorgia renovável e grilagem verde
Imagem: Movimento Salve as Serras

No Brasil, parques eólicos e usinas solares fotovoltaicas têm se expandido rapidamente desde 2010. Essa expansão foi impulsionada por políticas energéticas voltadas a diversificar a matriz elétrica e reduzir a dependência nacional em hidrelétricas.

Se, por um lado, o objetivo foi alcançado, por outro, o avanço se deu com poucos cuidados para evitar impactos, especialmente sobre comunidades e povos tradicionais e campesinos.

“A grilagem verde enfatiza o impacto de agendas ‘verdes’ que legitimam esses negócios de terra, como esforços para mitigar as mudanças climáticas. A modificação da posse da terra no contexto da transição energética leva a uma reestruturação abrangente das regras legais e da autoridade para garantir o acesso e o controle sobre a terra e, como relatado no Brasil, também pode contribuir para a anistia de grilagens ilegais anteriores e, portanto, para formas legitimadas de desapropriação”, afirma a nota emitida pelos pesquisadores.

Um documento apoiado pelo projeto Nordeste Potência traz mais de cem recomendações para reduzir os impactos fundiários da expansão das fontes eólica e solar.

“Não é possível que os setores de energia eólica e solar perpetuem práticas irregulares em nome de uma ‘agenda verde’, nem que bancos, Estados e o governo federal compactuem com as inúmeras violências envolvidas na geração de eletricidade”, diz a coordenadora do Nordeste Potência, Cristina Amorim. “Medidas responsáveis devem ser tomadas urgentemente, para que possamos combater as mudanças climáticas e as desigualdades sociais ao mesmo tempo.”

O estudo em números

Cenário de investimentos e situação fundiária dos parques de energia eólica e solar no Brasil entre 2000 e 2021:

Parques de energia eólica

  • Percentual de área ocupada por parques com proprietários/investidores estrangeiros: 78%
  • Área (km²) equivalente: 2.148
  • Situação fundiária: 36% ocupam áreas com irregularidades

Parques de energia solar:

  • Percentual de área ocupada por parques com proprietários/investidores estrangeiros: 96%
  • Área (km²) equivalente: 102
  • Situação fundiária: 4% ocupam áreas com irregularidades

Fonte: Nature Sustainability

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