Entenda como princípios da ciência comportamental podem ajudar no desenvolvimento e na comunicação de estratégias de mitigação climática
Quem cresceu nas décadas de 1980 e 1990 deve se lembrar do desenho animado “Capitão Planeta”. Na série, o super-herói é invocado pela combinação dos poderes dos cinco jovens Planeteiros: Terra (Kwame), Fogo (Wheeler), Vento (Linka), Água (Gi) e Coração (Ma-Ti).
Juntos, eles combatem diversos vilões que representam ameaças ambientais, como Porco Greedly (ganância industrial) e Looten Plunder (capitalismo desenfreado).
Refletindo sobre o contexto atual das mudanças climáticas, não seria nada mau ter um super-herói desses na vida real, certo?
Porém, mais do que superpoderes, a colaboração e a ação coletiva são fundamentais para lidarmos com os vilões da crise climática. Afinal, como o Capitão Planeta enfatiza em cada episódio, todos podem – e devem – fazer sua parte para proteger a natureza.
Essa série ganhou destaque global por inspirar os espectadores a se envolverem ativamente na proteção do planeta, encorajando ações individuais – como reduzir o desperdício, reciclar, conservar energia e preservar habitats naturais.
O programa é um exemplo de como os princípios da ciência comportamental podem informar e engajar o público em ações coletivas em prol do meio ambiente. Além disso, a mensagem central da série enfatiza a importância de todos agirem para proteger o planeta, alinhando-se com a proposta de usar a ciência comportamental para mitigar a crise climática por meio de ações individuais.
A ciência comportamental é um campo interdisciplinar que estuda como as pessoas tomam decisões, se comportam e reagem a diferentes situações. Cientistas comportamentais estudam o comportamento humano por meio de experimentação sistemática e observação.
Esse é um campo que envolve várias disciplinas, tais como:
A ciência comportamental reconhece que nossas decisões são, muitas vezes, influenciadas por vieses cognitivos, emoções, contextos sociais e ambientais.
Estudos comportamentais mostram que as pessoas tendem a usar atalhos e pistas mentais inconscientes para avaliar rapidamente as escolhas e tomar decisões.
Por exemplo, um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) descobriu que os consumidores estão mais dispostos a comprar produtos de carne sustentáveis ou orgânicos quando pensam que outros também estão fazendo o mesmo.
Tal fenômeno é associado ao conceito de Prova Social, que se refere à tendência das pessoas em se conformar com o comportamento ou opiniões dos outros em situações sociais, especialmente quando estão incertas sobre o que fazer.
Os nudges exploram os padrões previsíveis de comportamento humano para ajudar as pessoas a fazer escolhas melhores ou mais alinhadas com seus objetivos, sem impor restrições ou proibições.
Por exemplo, um nudge pode alterar a forma como as opções são apresentadas, a fim de facilitar uma escolha, ou a adicionar pequenos incentivos para condicionar comportamentos desejados.
Lembra do Capitão Planeta?
Os nudges eram comumente utilizados no roteiro do programa para incentivar comportamentos mais sustentáveis. Por exemplo:
Muito além dos Planeteiros, tais intervenções da ciência comportamental são utilizadas em uma variedade de cenários, desde políticas públicas até marketing e design de produtos. Elas são uma maneira eficaz de influenciar comportamentos sem a necessidade de coação ou imposição, e são frequentemente utilizados para resolver problemas complexos.
Por isso, a ciência comportamental tem sido cada vez mais estudada e aplicada como uma ferramenta eficaz para combater as mudanças climáticas.
A ciência comportamental oferece várias ferramentas e abordagens para promover comportamentos sustentáveis e mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Entendendo melhor os motivadores do comportamento humano, é possível desenvolver abordagens mais eficazes para enfrentar esse desafio global.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a ciência comportamental pode contribuir diretamente para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.
A entidade ressalta que muitas transformações necessárias para alcançar um mundo mais justo e sustentável dependem de mudanças no comportamento humano.
De acordo com a Behavioural Insights Team (BIT), uma organização que aplica insights comportamentais para promover mudanças positivas em diversos setores, 60% das reduções de emissões de gases de efeito estufa, por exemplo, dependem da alteração de comportamentos, como a maneira de consumir energia, os meios de transporte, os hábitos alimentares e as escolhas de consumo.
A ONU explica que a ciência comportamental pode ajudar a esclarecer as barreiras que impedem as pessoas de se engajar, os fatores que ajudam a estabelecer e alcançar objetivos, e o impacto das intervenções baseadas na compreensão dessas barreiras e fatores facilitadores.
Com base em dados coletados globalmente, um dos maiores estudos nessa área revela como algumas estratégias de ciência comportamental podem impulsionar ou até atrapalhar a conscientização e a ação climática em diferentes contextos.
O projeto sobre intervenções comportamentais em mudanças climáticas, liderado pela New York University (NYU), reuniu 250 pesquisadores de todo o mundo, coletando dados de 59 mil participantes em 63 países – incluindo o Brasil.
Angélica Andersen, doutoranda pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em Estudos Linguísticos que participou das pesquisas no contexto brasileiro, explica que foram avaliadas 11 diferentes intervenções com o objetivo de motivar as pessoas a mudarem suas crenças e comportamentos em relação às mudanças climáticas.
Ela detalha que o estudo avaliou quatro resultados relacionados à mitigação das mudanças climáticas:
De acordo com a pesquisadora, uma das principais descobertas do estudo é que as intervenções comportamentais sobre clima têm impacto bastante variável.
Angélica conta, por exemplo, que em uma atividade os participantes foram convidados a escrever uma carta para uma criança, como um membro da geração futura.
Enquanto essa intervenção aumentou de 5% a 10% o apoio às políticas climáticas em países como EUA, Brasil, Gana, Rússia e Nigéria, houve uma leve diminuição no apoio com essa mesma estratégia nos Emirados Árabes, na Sérvia e na Índia.
Esse estudo global testou 11 intervenções. Foram elas:
Apresenta a crise do clima como um risco próximo. Utiliza exemplos de desastres naturais recentes causados pelas mudanças climáticas no país de cada participante e pede que escrevam sobre os impactos climáticos na sua comunidade.
Enfatiza o impacto das ações atuais nas futuras gerações. Como atividade, pede aos participantes que escrevam uma carta para uma criança próxima a eles descrevendo as ações atuais para garantir um planeta habitável. A carta será lida daqui a 25 anos, quando a criança de hoje for adulta.
Apresenta exemplos de ações coletivas bem-sucedidas que tiveram efeitos significativos nas políticas climáticas (por exemplo, protestos) ou que resolveram problemas globais passados (por exemplo, a restauração da camada de ozônio).
Essa intervenção pede a cada participante que se projete no futuro e escreva uma carta para si mesmo no presente, descrevendo as ações que gostaria de ter tomado em relação às mudanças climáticas.
Apresenta as mudanças climáticas como uma ameaça ao modo de vida da nação de cada participante e faz um apelo à ação climática como uma resposta patriótica.
Informa os participantes que “99% dos cientistas especialistas em mudanças climáticas concordam que a Terra está aquecendo e que as mudanças climáticas estão ocorrendo principalmente devido à atividade humana.”
Invoca a autoridade (por exemplo, “dos cientistas aos peritos militares, existe um acordo quase universal”), a pureza (por exemplo, manter o ar, a água e a terra puros) e a lealdade ao grupo (por exemplo, “é a solução americana”) como fundamentos morais.
Informa os participantes de como as normas a nível nacional estão mudando e “cada vez mais pessoas estão se preocupando com as mudanças climáticas”, sugerindo que as pessoas devem agir.
Apresenta dados reais da opinião pública coletados pela ONU que mostram qual a porcentagem de pessoas no país de cada participante que concorda que as mudanças climáticas são uma emergência global.
Expõe os participantes a fatos científicos ecologicamente válidos sobre os impactos das mudanças climáticas, enquadrados em um estilo de mensagem de “desgraça e tristeza”, retirados de diferentes fontes de notícias e meios de comunicação social do mundo real.
Combina a referência a uma norma social (ou seja, “a maioria das pessoas está tomando medidas para reduzir sua pegada de carbono”) com um convite para “participar” e trabalhar em conjunto com seus concidadãos para esse objetivo comum.
Entre as principais descobertas em relação à eficácia dessas intervenções, destacam-se:
Em nível global, a “Distância psicológica” mostrou um potencial de aumentar em 3% a crença nas mudanças climáticas.
No Brasil, a estratégia mais eficaz nesse sentido foi a de consenso científico. Essa intervenção aumentou em até 5,4% a crença dos brasileiros nas mudanças climáticas.
“Carta para as futuras gerações” foi a intervenção mais eficaz para aumentar o apoio às políticas relacionadas às mudanças do clima. Em nível global, essa estratégia aumentou em até 4,4% o apoio a políticas climáticas.
No Brasil, essa mesma intervenção teve um impacto positivo de 10,5% no apoio a políticas do clima.
Uma das áreas mais impactadas pelas intervenções de ciência comportamental foi a relacionada ao incentivo de compartilhamento de informações nas redes sociais.
Globalmente, a estratégia mais eficaz foi a de “Emoções negativas”. Com essa abordagem, o compartilhamento de mensagens pró-ambientais aumentou em 22%.
No Brasil, a intervenção que mais teve efeito nessa área foi a de “Justificação do sistema”. Ela impulsionou 31% mais compartilhamento de informações relacionadas ao clima.
Nenhuma intervenção aumentou significativamente o comportamento de plantar árvores. Porém, no âmbito global, a estratégia “Fundamentos morais vinculativos” impulsionou um leve aumento de 1,4% na intenção de plantar árvores.
No Brasil, todas as intervenções tiveram efeito negativo, diminuindo a intenção das pessoas de plantarem árvores.
Analisando esses dados, Angélica comenta que o valor das estratégias estudadas está em escolher a mais adequada a cada público para obter um resultado específico.
“Observamos que algumas intervenções podem ser até mesmo contraproducentes para determinados públicos. No caso do Brasil, alguns dados são realmente interessantes. A crença nas mudanças climáticas aumentou para as mulheres por meio da intervenção de ‘Consenso científico’ e para os homens através da intervenção ‘Fundamentos morais de autoridade’, aponta.
A partir das descobertas deste estudo global, o grupo de cientistas criou um aplicativo que mostra os resultados da pesquisa, de acordo com diferentes parâmetros (nacionalidade, nível educacional, gênero, renda etc.). Clique aqui para acessar a plataforma e explorar os dados.
Falando sobre a aplicação dessas intervenções no Brasil, a pesquisadora da UFPR afirma que a ciência comportamental pode ser uma grande aliada para superar as barreiras culturais e sociais às práticas sustentáveis no país. Contudo, ela alerta que é preciso aplicá-la corretamente, considerando as particularidades do contexto local.
“Uma forma saudável de utilizar esses conhecimentos é para promover o letramento ambiental e desconstruir algumas falsas crenças ainda muito arraigadas na população. Por exemplo, a ideia de que não existe um consenso científico real sobre as mudanças climáticas, ou que as consequências não serão tão graves assim.
Só para dar uma amostra dos resultados que vimos no estudo: pedir que os brasileiros escrevessem uma carta para uma criança próxima, como um membro da geração futura, aumentou em 10% o apoio a políticas de mitigação das mudanças climáticas. Então uma intervenção simples, mas contextualizada para realidade local, pode ter um impacto significativo“, revela.
No entanto, ela reforça que é importante não ter uma abordagem única para toda a população. Afinal, a eficácia das estratégias pode mudar dependendo do público-alvo, do nível educacional, da faixa etária e das crenças políticas.
“Não dá para chegar com uma solução pronta, um caminho único. Temos que estudar a fundo as nuances culturais, os diferentes backgrounds e visões de mundo das pessoas para criar estratégias realmente assertivas de engajamento. É um trabalho contínuo de imersão, teste e ajuste. Esse é justamente o valor da ciência comportamental, pois ela nos ajuda a mapear e entender esses diferentes perfis para então desenhar intervenções eficazes e customizadas“, salienta.
Angélica comenta que, em um mundo hiperconectado, onde somos inundados por uma variedade de informações – algumas confiáveis e outras não –, é comum surgirem desconfianças e sentimentos de impotência em relação à crise do clima.
Diante desse cenário, ela acredita que a ciência comportamental pode ajudar, pois oferece uma abordagem fundamentada em estudos rigorosos e evidências sólidas.
“Aplicar os aprendizados da ciência comportamental de forma inteligente e customizada para o Brasil pode ser um divisor de águas. Pode ajudar a derrubar muitas barreiras psicológicas e culturais que ainda travam uma adesão maior da população às práticas de vida sustentáveis. É uma oportunidade enorme que não podemos deixar passar“, indica.
Porém, a pesquisadora aponta que um ponto crucial evidenciado pela pesquisa global da NYU é que as abordagens comportamentais têm um limite.
Como o levantamento mostrou, intervenções de ciência comportamental podem fortalecer crenças, aumentar o apoio a políticas públicas e engajar pessoas a compartilhar informações sobre o tema. Mas quando se trata de comportamentos que demandam mais esforço (como plantar árvores), nenhuma das intervenções testadas globalmente foi capaz de impulsionar esse tipo de ação de forma significativa.
“Fica claro que, paralelo a esse trabalho de conscientização via ciência comportamental, também precisamos pensar em mudanças estruturais de maior escala, políticas públicas, investimentos em infraestrutura e assim por diante. As duas frentes, de baixo para cima e de cima para baixo, precisam caminhar juntas”, alerta.
Leia também: Como as empresas podem ajudar a proteger o planeta?
Para finalizar este artigo com uma ferramenta prática, recomendamos o framework EAST, desenvolvido pela Behavioural Insights Team (BIT). Esse framework ajuda formuladores de políticas a incorporar insights comportamentais em seu trabalho, otimizando políticas empresariais e aprimorando a eficácia das políticas públicas.
A sigla EAST representa quatro princípios fundamentais: Fácil, Atraente, Social e Oportuno. Cada um desses princípios ajuda a guiar a criação de políticas e intervenções que levam em consideração o comportamento humano.
Saiba mais no slide abaixo:
Referências:
The University of Chicago Booth School of Business; United Nations – Behavioural Science webinar; United Nations – Behavioural Science report; UNEP – Consuming differently, consuming sustainably: behavioural insights for policymaking; The Behavioural Insights Team; Universidade Federal do Paraná; Addressing climate change with behavioral science: A global intervention tournament in 63 countries
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