Estudos B

Como a inteligência artificial pode impulsionar a agricultura regenerativa

Entenda como a agricultura regenerativa, aliada à inteligência artificial, pode ajudar a aumentar a produtividade agrícola, regenerar ecossistemas e combater as mudanças climáticas

A crise climática é resultado de uma série de problemas que afetam nosso planeta há bastante tempo, como a extração desenfreada de recursos, dependência de combustíveis fósseis, acúmulo de resíduos descartados de maneira irresponsável, desmatamento, perda de biodiversidade e aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Todos esses problemas, aliás, são “sintomas” de um sistema econômico insustentável, que preza pela geração de lucro acima de tudo, sem levar em conta os impactos socioambientais que causa.

É por isso que está cada vez mais claro que a sustentabilidade já não é suficiente. Sustentar o modo atual significa continuar praticando esse modelo extrativo e prejudicando o planeta.

Portanto, a regeneração é o único caminho para evitar o colapso do ecossistema global.

Em nossa série de artigos sobre a revolução do setor de alimentos e bebidas, já falamos sobre o potencial da agricultura regenerativa para transformar sistemas alimentares e promover mudanças necessárias para combater as mudanças climáticas.

Leia: Agricultura regenerativa: cultivando o futuro em um planeta à beira do(s) limite(s)

Além disso, também abordamos o papel da tecnologia nessa jornada, mostrando como a inovação tecnológica pode apoiar a transformação ambiental do setor de alimentos e bebidas.

Leia: 5 foodtechs de impacto que estão revolucionando o setor de alimentos

Continuando essa análise, neste artigo vamos explorar mais a fundo a relação entre sistemas de inteligência artificial e a agricultura regenerativa, mostrando como essa tecnologia pode contribuir para impulsionar a agenda da regeneração no setor agrícola.

O uso da Inteligência artificial na agricultura

Imagem: Freepik

Para atender a demanda da população global em crescimento, estima-se que será necessário um aumento de cerca de 60% na produção de alimentos até 2050. Ao mesmo tempo, a agricultura precisa criar novos caminhos para diminuir seus impactos ambientais e climáticos. Ou seja, o grande obstáculo deste setor é produzir mais, mas de maneira menos nociva ao meio ambiente.

A agricultura regenerativa surge como uma solução para resolver esse impasse, oferecendo formas de garantir a segurança alimentar enquanto ajuda a regenerar ecossistemas e combater as mudanças climáticas.

A tecnologia tem um papel importante nesse contexto, afinal, possibilita inovações e ferramentas que facilitam a adoção de processos regenerativos na produção de alimentos.

A inteligência artificial (IA) já está sendo usada para promover avanços significativos nesse sentido – especialmente em áreas como análise de solos e agricultura de precisão, possibilitando o uso mais eficiente de recursos como água e fertilizantes, minimizando impactos ambientais e otimizando a regeneração do solo.

Segundo o relatório Agritech: Shaping Agriculture in Emerging Economies, Today and Tomorrow, do Fórum Econômico Mundial, essas inovações podem ser aplicadas de diversas formas. As principais áreas de uso incluem:

1) Planejamento inteligente de culturas

Diz respeito à utilização da IA para prever o melhor momento para plantio e colheita, levando em consideração dados climáticos, qualidade do solo e outros fatores ambientais. Também inclui o uso de ferramentas de edição de genes para desenvolver culturas mais resilientes e otimizar a produção agrícola.

2) Agricultura inteligente (Smart Farming)

Envolve o uso de IA e tecnologias como realidade aumentada na gestão de culturas, monitoramento do campo e controle de pragas. A agricultura inteligente ajuda a otimizar o uso de insumos (água, fertilizantes, pesticidas), utilizando sensores IoT (Internet das Coisas), drones e robótica para aumentar a precisão das operações agrícolas.

3) Da fazenda ao consumidor (Farmgate-to-Fork):

Aplicações de IA contribuem para melhorar a logística e o armazenamento na agricultura, utilizando rastreabilidade baseada em blockchain e sensores IoT para gerenciar estoques e otimizar a cadeia de suprimentos. Essas tecnologias ajudam a garantir a qualidade dos produtos e a reduzir perdas pós-colheita.

4) Dados habilitadores (Data as an Enabler):

É quando a IA utiliza grandes volumes de dados históricos e capturados em tempo real para otimizar decisões em todas as fases da agricultura. Isso inclui desde o acesso a financiamentos e seguros até o fornecimento de informações sobre condições climáticas e saúde do solo, ajudando os agricultores a mitigar riscos e melhorar a sustentabilidade de suas operações.

Gráfico: Fórum Econômico Mundial

Pesquisas divulgadas pelo Fórum Econômico Mundial (WEF) apontam que a digitalização da agricultura tem o potencial de elevar o PIB agrícola de países de baixa e média renda em mais de US$ 450 bilhões.

O uso de IA neste setor tem potencializado ainda mais esses benefícios para os agricultores. Um exemplo disso é a iniciativa AI for Agriculture Innovation, um projeto do WEF em parceria com o governo de Telangana, na Índia, que ajudou os produtores de pimenta a aumentar em 21% a produtividade, reduzir em 9% o uso de pesticidas e obter um acréscimo de US$ 800 na renda por acre a cada ciclo.

Como a inteligência artificial pode impulsionar a agricultura regenerativa

Além de trazer benefícios em termos de produtividade, a IA também pode ser útil para impulsionar a agenda regenerativa no setor agrícola.

Aqui é importante lembrar que a agricultura regenerativa busca regenerar e revitalizar os ecossistemas, garantindo que a produção de alimentos contribua para a saúde do planeta e das sociedades.

A inteligência artificial oferece previsões climáticas hiperlocais e análises detalhadas da saúde do solo, facilitando a adoção de práticas agrícolas que aumentam a resiliência das culturas e promovem a recuperação do solo.

Além disso, a IA pode auxiliar no planejamento inteligente das colheitas, utilizando modelos preditivos para determinar o momento ideal de plantio e colheita. Essas análises também podem revelar práticas que minimizam a degradação do solo e incentivam abordagens regenerativas.

No controle de pragas e doenças, a IA é capaz de identificar ameaças em estágios iniciais. Dessa forma, é possível realizar intervenções menos agressivas e mais naturais, alinhadas aos princípios da agricultura regenerativa.

Sequestro de carbono e agricultura regenerativa

Imagem: Gabriel Jimenez via Unsplash (original) + preenchimento generativo no Photoshop

A produção de alimentos é responsável por um quarto das emissões de GEE do mundo. Contudo, a agricultura regenerativa pode reverter esse cenário, uma vez que as práticas regenerativas ajudam a transformar terras agrícolas em sumidouros de carbono.

O processo chamado sequestro de carbono refere-se a técnicas de captura e armazenamento de dióxido de carbono (CO₂) da atmosfera. Essa é uma estratégia importante no combate às mudanças climáticas, já que ajuda a mitigar os efeitos do aumento das concentrações de GEE.

A agricultura regenerativa contribui para o sequestro de carbono por meio de práticas que melhoram a saúde do solo e aumentam sua capacidade de absorver e armazenar carbono retirado da atmosfera.

O sequestro de carbono pode ocorrer de duas formas:

  • Natural – em que plantas e ecossistemas absorvem CO₂ da atmosfera por meio da fotossíntese, armazenando-o na biomassa e no solo.
  • Artificial – utiliza tecnologias para capturar o CO₂ emitido por atividades industriais e armazená-lo em formações geológicas subterrâneas, evitando sua liberação na atmosfera.

Segundo o relatório Regenerative Organic Agriculture and Climate Change, estes são os principais mecanismos pelos quais isso ocorre:

🍅 Rotação de culturas

Alternar diferentes culturas em uma mesma área melhora a fertilidade do solo e interrompe ciclos de pragas e doenças, reduzindo a necessidade de insumos químicos. Além disso, essa diversidade vegetal aumenta a matéria orgânica no solo, contribuindo para o sequestro de carbono.

🫛 Culturas de cobertura

O plantio de culturas de cobertura durante períodos de entressafra protege o solo da erosão, melhora sua estrutura e adiciona matéria orgânica, aumentando a capacidade de armazenamento de carbono.

🌿 Compostagem

A decomposição de resíduos orgânicos para formar composto enriquece o solo com nutrientes e matéria orgânica, melhorando sua estrutura e fertilidade, além de contribuir para o sequestro de carbono.

🌾 Plantio direto

Evitar a aragem do solo mantém sua estrutura natural, reduzindo a erosão e permitindo que a matéria orgânica se acumule, o que favorece o sequestro de carbono.

🌲 Integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF)

A combinação de culturas, pecuária e florestas em um mesmo sistema otimiza o uso da terra, melhora a ciclagem de nutrientes e aumenta o armazenamento de carbono tanto no solo quanto na vegetação.

Análises do Rodale Institute indicam que a adoção generalizada de práticas regenerativas pode sequestrar mais de 100% das emissões anuais globais de CO₂, ou seja, além de neutralizar as emissões atuais, essas práticas podem até compensar emissões passadas.

Além do sequestro de carbono, práticas regenerativas geram outros benefícios, como melhoria da saúde do solo, proteção da biodiversidade e conservação de recursos hídricos. Tudo isso torna os sistemas agrícolas mais resilientes às mudanças climáticas, promovendo a sustentabilidade a longo prazo. 

IA na medição dos impactos da agricultura regenerativa no sequestro de carbono

Imagem: Freepik

Medir com precisão quanto carbono está sendo sequestrado ao longo do tempo é um grande desafio. Os métodos tradicionais envolvem a coleta manual de amostras de solo, algo que é caro, demorado e difícil de aplicar em grande escala.

Por meio de ferramentas de análise de imagens e dados, o uso da IA nesse processo reduz a necessidade de coleta física do solo e aumenta a precisão na avaliação dos níveis de carbono. Dessa forma, essa tecnologia tem ajudado a mostrar com clareza como as práticas regenerativas efetivamente contribuem para aumentar a eficiência de sequestro de carbono.

Um exemplo disso é a solução oferecida pela Downforce Technologies. Usando machine learning para criar um gêmeo digital do solo, a tecnologia permite monitorar as mudanças ao longo do tempo e prever como práticas agrícolas afetam o sequestro de carbono.

Depois de adotar essa ferramenta, a Good Earth Cotton, que utiliza métodos de agricultura regenerativa para cultivar algodão, conseguiu demonstrar que o algodão cultivado de forma regenerativa sequestra mais carbono do que emite.

Outra empresa que tem utilizado a IA para aprimorar as análises de solos e medir os impactos da agricultura regenerativa é a Perennial Earth. Por meio de algoritmos que combinam machine learning, observações terrestres e sensoriamento remoto, sua tecnologia é capaz de mapear o carbono do solo em grande escala.

Com o objetivo de compreender o impacto potencial das práticas regenerativas no carbono do solo, a Perennial desenvolveu uma ferramenta que oferece uma estimativa da capacidade de sequestro de carbono de um campo ao longo de 10 anos.

Acompanhe a revolução no setor de alimentos e bebidas

Imagem: Giuseppe Russo via Pexels

A produção deste artigo foi inspirada em nossas pesquisas sobre a transformação que está acontecendo no mercado de alimentos e bebidas.

Neste momento, estamos investigando empresas do setor alimentício ao redor do globo para entender o que impulsiona essa revolução. Nosso objetivo é inspirar novas correntes de mudanças rumo a uma nova economia.

O resultado dessa análise você vai conferir no Estudo B #7.
O novo relatório da série Estudos B será um guia sobre inovação, tendências e histórias de impacto no setor de alimentos e bebidas na América Latina (de onde viemos – e para onde sempre olhamos) e Europa (onde parte da nossa equipe está baseada).

Sua marca pode apoiar a publicação do relatório

Com o objetivo de atrair mais marcas para participar dessa iniciativa, criamos um plano de patrocínio para o Estudo B #7.

Se você quer trazer sua marca para este estudo que conectará o Sul e o Norte Global por meio de histórias de impacto no setor de alimentos e bebidas, envie uma mensagem ou entre em contato com João Guilherme Brotto, cofundador d’A Economia, pelo LinkedIn.

Vá para a página inteira para visualizar e enviar o formulário.

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Francine Pereira

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