Entenda a importância de a justiça climática estar no centro das ações de sustentabilidade e saiba como mudanças na legislação podem promover transformações socioambientais
“Um planeta saudável e prosperidade para todos – nossa responsabilidade, nossa oportunidade.”
Esse foi o tema do Estocolmo+50, evento que marcou os 50 anos da primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano.
Nossa equipe esteve na capital sueca para cobrir o Estocolmo+50 Climate Hub, evento paralelo à conferência da ONU que reuniu especialistas e líderes globais para debater as principais movimentações de empresas, organizações e governos em torno das mudanças climáticas.
Inclusive, já publicamos três artigos a partir dessa cobertura:
- Duas inovações que aceleram a corrida net zero na indústria
- Movimentos que apontam uma nova economia
- A luta para tornar ecocídio um crime internacional
Finalizamos a série com um tema extremamente relevante e que permeou os debates em Estocolmo: a justiça climática. Afinal, como o tema do evento da ONU indica, não é possível pensar em um planeta saudável, sem levar em consideração o bem-estar de toda a população.
O direito a um meio ambiente saudável e sustentável
Em outubro de 2021, o Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu, pela primeira vez, que ter um meio ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito humano.
Durante o painel sobre este assunto no Estocolmo+50 Climate Hub, especialistas evidenciaram a relevância desta resolução.
De acordo com representantes da ONU, a última vez que algo parecido aconteceu foi em 2010, quando o acesso à água potável foi reconhecido como direito humano. Tal reconhecimento, aliás, teve uma cascata de efeitos positivos em todo o mundo, com muitos países mudando suas constituições.
- No México, por exemplo, o governo criou um programa para levar água potável a mais de mil comunidades rurais.
- No Canadá, essa resolução incentivou o governo a trabalhar para levar água potável a mais de 130 comunidades indígenas remotas.
Ou seja, a expectativa é que o reconhecimento do meio ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito humano seja um catalisador para gerar as mudanças necessárias em áreas como energia renovável, ar limpo e proteção da biodiversidade.
“Um exemplo positivo nesse sentido é a Costa Rica, que, em 1994, já havia acrescentado à sua Constituição o direito a um ambiente saudável. Até então, eles vinham sofrendo décadas de desmatamento que reduziram a cobertura florestal do país a menos de 25%.
Após o reconhecimento de meio ambiente limpo como um direito fundamental, houve grandes transformações na legislação e na cultura. Hoje, a Costa Rica tem mais de 50% de cobertura florestal e tem 30% de suas terras em Parques Nacionais.
Além disso, o país obtém 99% da eletricidade de fontes renováveis e aprovou leis que proíbem a mineração a céu aberto e o desenvolvimento de petróleo e gás offshore. Eles realmente são o epítome do desenvolvimento sustentável.”
David R. Boyd, relator especial da ONU sobre direitos humanos e o meio ambiente
“Quando criamos esse tipo de resolução, precisamos também pensar nas estruturas e nos mecanismos necessários para que esse direito seja cumprido.
A implementação desse tipo de resolução precisa acontecer de maneira participativa, envolvendo povos indígenas, populações locais, jovens e outras comunidades marginalizadas que são diretamente afetadas pelas crises climáticas e pela degradação do meio ambiente.
É também fundamental comunicar esse direito de forma acessível, sem deixar ninguém para trás, para que todos tenham conhecimento sobre ele e possam efetivamente defender essa causa.”
Archana Soreng, ativista ambiental e membro Grupo Consultivo da Juventude da ONU sobre Mudanças Climáticas
Saiba mais sobre a resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que determinou o meio ambiente limpo e saudável como um direito humano.
Lei de Ecocídio: justiça pelo fim da destruição em massa do meio ambiente
Sabendo da importância do respaldo da lei para que mudanças sistêmicas efetivamente aconteçam na área ambiental e ajudem a promover a justiça climática, um movimento ao redor do globo luta para tornar o ecocídio um crime internacional.
Durante o Estocolmo+50 Climate Hub, Jojo Mehta, presidente da Stop Ecocide Foundation, e Pella Thiel, presidente da End Ecocide Sweden, conversaram com a nossa equipe sobre o assunto.
No vídeo abaixo, elas ressaltam a relevância da criminalização do ecocídio e explicam por que isso é crucial para a construção de uma economia regenerativa.
A justiça climática e as desigualdades sociais
A desigualdade e as mudanças climáticas estão diretamente ligadas. Especialistas que participaram do Estocolmo+50 Climate Hub destacaram que é impossível tratar as mudanças climáticas sem levar em conta as desigualdades globais. Ou seja, sem lutar pela justiça climática!
Por um lado, a parcela mais rica do planeta é a principal responsável pela poluição global e pela destruição da biodiversidade. Por outro, a parcela mais econômica e socialmente vulnerável da população é a que mais sofre com os efeitos das mudanças climáticas.
Aliás, uma das consequências diretas das tragédias climáticas é que elas aumentam a fragilidade de comunidades já bastante vulneráveis e aumentam ainda mais a desigualdade global.
Para se ter uma ideia, estimativas do Banco Mundial revelam que as mudanças climáticas podem levar de 68 a 135 milhões de pessoas para a pobreza até 2030.
Além disso, análises do Fundo Monetário Internacional apontam que, se as projeções mais terríveis de danos econômicos futuros se confirmarem, as mudanças climáticas podem reverter os ganhos das últimas décadas. Isso, por sua vez, fará com que a desigualdade dentro dos países e entre os países aumente novamente.
“Eu preciso enfatizar que, na verdade, não é o número de pessoas no planeta que é responsável pela bagunça em que estamos. São os ricos. Sabemos que hoje 14% da população é responsável por 80% das emissões de carbono historicamente. Mesmo com as promessas de Glasgow, eles serão responsáveis por 60% das emissões até 2050.
É o ‘grande capital’ contra o resto do mundo. Em um contexto de crise como o que estamos agora, quem está se beneficiando enquanto todos lutam para atender às necessidades básicas? Precisamos mapear a riqueza e a dinâmica da riqueza para introduzir regulamentações.”
Jayati Ghosh, economista de desenvolvimento e professora na Universidade de Massachusetts Amherst
“O colapso climático não é inevitável. Podemos realmente alcançar o bem-estar para todos os 9 bilhões de pessoas ou mais que viverão dentro dos limites planetários até 2050. É claro que, para isso, muitas mudanças precisam acontecer, especialmente nos setores de energia e alimentar.
Porém, não alcançaremos a segurança energética e a segurança alimentar a menos que também acabemos com a pobreza e que tenhamos 100% de igualdade de gênero no mundo.”
Owen Gaffney, analista e escritor no Potsdam Institute for Climate Impact Research
“Todos nós já estamos familiarizados com alguns dos grandes impactos das mudanças climáticas. Vemos nos noticiários todos os dias as grandes inundações, as tempestades, o nível do mar aumentando, os incêndios florestais. Mas a realidade é que quando esses impactos atingem as pessoas, nunca é uma experiência igual.
Dependendo de onde você mora, dependendo do seu nível de educação e da sua renda, uma única tempestade pode ser algo que você pode sobreviver, tendo acesso a recursos como seguros, por exemplo, ou pode significar uma disrupção completa da sua vida, da vida da sua família e de toda sua comunidade.”
Cassie Flynn, UNDP Strategic Advisor on Climate Change
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*Este artigo faz parte da cobertura do Estocolmo+50 Climate Hub. Assine nossa newsletter para receber todas as atualizações.
Imagens: We Don’t Have Time; ILO
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